Há dez anos, morria a Lacraia, símbolo do funk da geração 2000


Os jovens LGBTQIA+ que se sentem representados porque, atualmente, há mais espaço para discutir as pautas de gênero, talvez não saibam da história de muitos e muitas que os antecederam e sofreram enorme preconceito social. Uma dessas figuras é a Lacraia, cuja morte faz dez anos.

Quando vemos artistas como Pabllo Vittar, com a toda a sua beleza e poder, não imaginamos – ou nos esquecemos – que uma década atrás Lacraia, mesmo no auge da fama, era uma artista de favela e uma artista que ficou à mercê do riso do público, reforçando estereótipos não apenas sobre as travestis, mas sobre as travestis pobres e pretas.

De lá para cá, houve muitos avanços conquistados, mas o Brasil ainda segue sendo um dos líderes de assassinato da população LGBTQIA+.

Contar as histórias das pessoas é uma forma de desconstruir estereótipos, uma estratégia que segue fazendo vítimas nos campos simbólico e real.

A história da Lacraia

Marco Aurélio Silva da Costa, conhecido como Lacraia, nasceu, em 1977 em Birigui, interior de São Paulo. Foi camareira de sauna gay, maquiadora, cabeleireira e drag queen. Nos anos 2000, a travesti, junto com o seu parceiro MC Serginho, tornou-se nacionalmente conhecida.

Segundo Serginho, ela “quebrou barreiras intransponíveis para o movimento LGBTQIA+” por colocar-se na linha de frente contra o preconceito, ainda mais no funk, segmento musical reinado pelas popozudas e pelo machismo.

Lacraia morreu no Rio de Janeiro, aos 33 anos de idade, no dia 10 de maio de 2011, por complicações decorrentes de uma tuberculose, a doença da pobreza, assim denominada pela própria OMS, porque é endêmica nas comunidades pobres do Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, dadas as insalubres condições de moradia nas favelas.

Preconceito e tristeza

O IG Queer conversou com o ex-parceiro da artista por dez anos para homenageá-la neste aniversário de sua morte. Ele conta que a Lacraia, desde criança, sempre foi “diferente” e sempre teve o suporte da mãe para expressar a sua identidade de gênero, a sua sexualidade e sua vocação artística.

 O primeiro sucesso da dupla veio em 2002 com a música “Vai, Serginho!” e, depois, com “Égua Pocotó”, que ficou conhecida como “Eguinha Pocotó”, uma das canções mais tocadas nas rádios brasileiras em 2003.

O Ego conversou com a mãe de Lacraia, Maria Alice da Silva, que contou que a alegria da filha no palco não condizia com a sua vida fora dele.

“Para mim, que sou mãe, é muito triste. No dia que ele ficava em casa, só queria deitar no chão, jogado, em silêncio. Era o momento de ele esquecer da vida lá fora. Meu filho ficava com o pensamento distante, era bem diferente do que aparentava na TV”.

Essa “quietude” era a forma como Lacraia buscava a paz que não encontrava em sua vida. Maria Alice ainda relata que:

 “Na época em que ele começou não era como agora. Agora existe liberdade, não tem tanta repressão. Por causa de sua opção, ele foi muito humilhado e sofreu muito preconceito. Na rua do bairro onde moramos as pessoas o xingavam, debochavam de seu jeito. Acho que ele seria mais feliz hoje”.

Legado

MC Serginho conta que, ainda hoje, a artista é relembrada pelos fãs. Quando começaram a carreira juntos, Serginho foi questionado no universo do funk sobre a dupla com Lacraia.

“Me diziam com frequência: ‘Tu vai levar esse veado escroto para dançar no seu show?’. Eu respondia: ‘Claro, é meu amigo’”.

Ainda que acolhida pela família e por amigos, Lacraia sofreu preconceito por apenas legitimar quem era. Mas a sua coragem deixou um legado, ao abrir caminhos para muitas artistas que vieram depois dela.

E para fechar esse post com alegria. Som na caixa, vamos dançar!

Vai Lacraia Vai Lacraia!

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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