EUA: como o país que não tem saúde pública enfrenta a Covid-19


Os olhares brasileiros para a pandemia do novo coronavírus estão mais voltados para a Europa, sobretudo a Itália, do que para os Estados Unidos. Todavia, o país ao norte do continente americano tem muito o que nos ensinar a partir da experiência com o novo coronavírus.

Primeiramente, em termos territoriais e populacionais, o Brasil tem mais similaridade com os Estados Unidos, razão pela qual deveríamos analisar melhor o avanço da Covid-19 por lá.

Em segundo lugar, como o vírus chegou um poucos antes nos EUA, podemos tirar algumas lições sobre o avanço da pandemia neste país para evitarmos o mesmo cenário aqui. De acordo com o Worldometers, o primeiro registro de Covid-19 nos EUA ocorreu em 20 de janeiro, enquanto no Brasil ocorreu em 24 de fevereiro. Por lá, já são 188.647 casos e 4.059 mortes; aqui, 8.251 casos e 203 mortes (dados de 1º de abril).

Em terceiro lugar, o Brasil tem o maior sistema de saúde público do mundo, o SUS, referência internacional, enquanto nos Estados Unidos resta à população pagar por um plano de saúde, adquirir dívidas com um tratamento ou ser deixada à própria sorte sem assistência sanitária.

Desigualdade social

A pandemia provocada pelo novo coronavírus tem deixado cada vez mais evidente que a desigualdade social aprofunda a disseminação do vírus. As divisões sociais e econômicas estão mais marcadas e os mais vulneráveis são as principais vítimas da Covid-19: tanto de contrair o vírus quanto de morrer por causa dele.

A especialista em saúde pública Nicole A. Errett disse ao The New York Times que:

“As vulnerabilidades sociais pré-existentes só pioram após um desastre, e este é um exemplo perfeito disso.”

Vale ressaltar que uma parte considerável da população estadunidense, sobretudo a de baixa renda, alimenta-se muito mal, o que cria um quadro de doenças pré-existentes, como diabetes e doenças cardiovasculares, que a colocam em maior risco de contrair o novo corona.

A visão que muitos brasileiros têm dos EUA como um país das maravilhas, como se fosse a imagem e semelhança da Disney ou dos filmes de Hollywood, deixou cair uma cortina sobre a vida real da sua sociedade, que enfrenta diariamente as asperezas de uma economia neoliberal que nega à população a repartição de riquezas em serviços públicos básicos, como educação e saúde.

Exames corriqueiros feitos aqui no Brasil pelo SUS, como um hemograma, ou os cuidados preventivos da Medicina da Família não fazem parte da vida da população de baixa renda dos EUA. Basicamente, as pessoas não fazem check-ups simplesmente porque não têm dinheiro para pagar a conta ao final do exame. A fatura, que chega em casa, é alta demais para um trabalhador de baixa renda. Como destaca o NYT:

“O cuidado preventivo e a educação em saúde têm se inclinado constantemente para os educados e os mais abastados”.

O resultado disso é que as pessoas mais pobres têm cerca de 10% mais de chances de desenvolver uma condição crônica de saúde, o que pode fazer o novo coronavírus ser até 10 vezes mais letal para elas, de acordo com Centros Chineses de Controle e Prevenção de Doenças.

Enquanto o Sars-Cov-2 se espalha pelos Estados Unidos e os especialistas recomendam que as pessoas evitem aglomerações, tal conselho não pode ser seguido por pessoas de baixa renda. Trabalhadores que não podem realizar suas atividades remotamente e aqueles que não têm dias de folga remunerados (nos EUA, trabalha-se por “hora”) são os mais propensos a não receber um seguro médico ou ter um insuficiente para um tratamento, informa a revista Time.

De acordo com um estudo do Federal Reserve de 2019, 40% dos americanos não conseguiram chegar a US $ 400 para cobrir uma emergência. Na falta de recursos para se preparar e se proteger contra a Covid-19, muitos deles enfrentam um risco maior de contrair e espalhar o vírus.

Pobres idosos

Não apenas os trabalhadores de baixa renda estão na linha de frente da pandemia nos EUA. Os idosos, que são os mais vulneráveis à doença, também estão entre os mais pobres. A renda média dos adultos aposentados acima de 65 anos, em 2017, era inferior a US $ 20.000, segundo dados do Pension Rights Center, uma organização sem fins lucrativos nacional.

No Brooklyn, em Nova York, vários corpos apareceram empilhados nas ruas, chamando a atenção para o avanço da pandemia na cidade mais atingida dos EUA. De acordo com o jornal Daily News, vídeos, que viralizaram nas redes sociais do país, mostram profissionais da saúde usando uma empilhadeira para levar os corpos das vítimas até um caminhão. Em um dos vídeos, um homem, que está na frente do Brooklyn Hospital Center, diz:

“Isso é real, isso é real, isso é bem aqui no Brooklyn”.

O Brooklyn Hospital Center enviou uma nota Daily News informando que está “seguindo protocolos estabelecidos pelas autoridades de saúde pública” e estão usando o caminhão refrigerado para funcionar como “um necrotério auxiliar”. A medida é necessária para “acomodar o aumento trágico de mortes, pressionando todo o sistema de atendimento – de hospitais a casas funerárias”, conforme divulgou a IstoÉ.

Não há sistema público de saúde

O diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA, Dr. Anthony S. Fauci, foi categórico:

“O sistema não funciona, não está realmente voltado para o que precisamos agora … Está falhando, vamos admitir”.

Essa fala revela uma triste e desesperadora verdade: não existe um sistema público de saúde real nos Estados Unidos.

Em sua coluna para o jornal The Guardian, Robert Reich, ex-secretário do Trabalho dos EUA e professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia, esclareceu que a palavra “público” nos EUA significa uma soma total de necessidades individuais, não o bem comum.

Isso quer dizer que, no lugar de um sistema público de saúde, um sistema privado com fins lucrativos está à disposição para quem tem um emprego estável que lhe permita pagar por ele. É a necessidade individual que é atendida, e não às necessidades do público como um todo.

A assistência médica nos EUA é fornecida por empresas privadas que não têm qualquer obrigação com uma capacidade de reserva, como, por exemplo, para garantir mais ventiladores ao país para o tratamento do novo coronavírus.

Ainda segundo Reich, cerca de 30% dos trabalhadores americanos não recebem um seguro médico por parte de seus empregadores, incluindo 70% dos trabalhadores de baixa renda que ganham menos de US $ 10,49 por hora. Um grande número de trabalhadores autônomos também não consegue pagar o seguro.

Para piorar o cenário, a maioria dos desempregados do país não é qualificada para receber o seguro-desemprego, porque não trabalhou por tempo suficiente em um emprego estável ou o acordo negociado com o empregador não prevê isso.

O resumo dessa história é que o país mais rico do mundo não protege o público como um todo. Neste momento, os EUA, que é o país mais atingido pela pandemia, está tendo dificuldades para enfrentá-la, em parte, porque não têm um sistema público de saúde.

Amparo à população

Não obstante, democratas e republicanos chegaram a um consenso para que o governo ampare a população. Os congressistas aprovaram um pacote de 2,2 trilhões  de dólares para ser distribuído entre indivíduos e empresas – a maior ajuda financeira da história do país.

O surto de Covid-19 tem deixado às claras a fragilidade da rede de segurança social dos EUA e a necessidade de o país mais rico do mundo distribuir a sua riqueza com a própria população.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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