Passando a boiada, dessa vez, manguezais e restinga estão em perigo


Ontem, 28, o Ministro Ricardo Salles, encabeçou a 135º reunião, no mínimo polêmica, no CONAMA – (Conselho Nacional do Meio Ambiente), cujo intuito era passar uma boiada inteira de uma vez só pela porteira. E conseguiu.

A reunião foi marcada pelo ministro para alterar deliberações sobre empreendimentos de irrigação, parâmetros para área de preservação em reservatórios artificiais e uma resolução que define parâmetros para definição de áreas de preservação permanente.

Essas resoluções que o ministro alterou e que foram aprovadas na reunião, são todas para facilitar a ocupação e uso do meio ambiente indiscriminadamente, fragilizando a fiscalização.

Com uma canetada

E foi assim, com uma canetada, que as resoluções do CONAMA que protegiam vegetação de restinga, manguezais e Mata Atlântica foram revogadas em favor do setor imobiliário e agronegócios.

No caso do sistema de irrigação, a coisa é mais insólita ainda.

Nos bastidos, apontam que Sistema CNA – Canal de comunicação das Federações e Sindicatos Rurais, solicitou, por e-mail, ao jurídico do Ministério do Meio Ambiente, que o sistema de irrigação não seja considerado atividade ou empreendimento.

E assim, surge um documento elaborado pelo jurídico concordando com a tese, concluindo pela revogação da norma de proteção sem nenhum estudo ou discussão.

Foi dessa forma levado à votação do CONAMA.

É sempre bom lembrar que praticamente todos os integrantes do CONAMA foram mudados por indicação do ministro, que escolheu a dedo os novos integrantes, que antes tinha a maioria pessoas da sociedade civil, mas hoje, é absolutamente controlado pelo governo.

Historicamente, o CONAMA, embora tivesse a participação de integrantes do governo e das Secretarias Estaduais, os representantes da sociedade civil eram formados também por cientistas, ambientalistas e empresários, funcionando como uma grande câmara composta por especialistas do tema.

Entretanto, ano passado, Salles mudou a composição do Conselho, tirando o poder de Ongs e Secretarias Estaduais do Meio Ambiente e aumentou o poder do governo federal, representado por ele próprio. Hoje seu poder de voto é de mais de 45% e nada passa sem sua aprovação ou direta intervenção.

O conselho está absolutamente descaracterizado de sua função principal, virou um “puxadinho” do ministro.

Revogações do CONAMA

Assim, ontem foram revogadas 4 Resoluções que tratavam de preservação ambiental em todo o país, sendo duas delas referentes à proteção de vegetação nativa, como manguezais e restinga.

Tratam-se das resoluções nº 302 e nº 303 de 2002, que definiam regras para proteção de áreas de manguezais e restingas do litoral brasileiro, tais como a definição de área de restinga a 300 metros a partir da linha do mar. A revogação da regra, certamente abrirá caminho para o desmatamento e a ocupação irregular.

O setor imobiliário está vibrando!

Resolução 302 revogada

Tratava da preservação de áreas no entorno de reservatórios d’água, prevendo parâmetros e limites de Áreas de Preservação Permanente (APPs) de reservatórios artificiais e o regime de uso do seu entorno, determinando uma faixa mínima de 30 metros ao seu redor dos reservatórios.

Por exemplo, é o caso de represas como a Cantareira, em São Paulo, que pela resolução tinha sua exploração para habitação e usos econômicos impedidas para preservação do ecossistema local, qualidade e racionalidade da água.

Agora, a resolução não existe mais.

Resolução 303 revogada

Tratava da proteção dos manguezais e faixas de restinga do litoral brasileiro fixando regra para definir sua extensão, determinando áreas como Áreas de Preservação Permanente (APP).

Com a revogação, Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental) afirmou que o Brasil perdeu

“o único instrumento jurídico efetivo utilizado pelo MP-SP para proteção das restingas é a resolução 303/2002. Uma vez revogada essa resolução, nós perdemos a proteção da faixa dos 300 metros a partir da praia-mar, e isso significa um grande boom imobiliário de resorts, de empreendimentos em todo o Brasil que seriam beneficiados com esse desguarnecimento de um compartimento ambiental importantíssimo”.

Resolução 284/2001

Definia a obrigatoriedade de licenciamento ambiental para empreendimentos de irrigação, com definição clara de critérios para uso racional da água, economia, desperdício e preservação ambiental para aprovação e liberação desse tipo de atividade, mas, agora, a regra foi revogada e não se sabe o que isso pode significar em termos de perdas ambientais.

A preocupação dos ambientalistas é principalmente quanto a empreendimentos que visam a retirada da água de um rio, por exemplo, e o impacto que isso pode trazer no seu entorno, seja para a vegetação local, seja para os animais aquáticos, nascentes, afluentes, confluentes e todo o bioma envolvido.

Resolução 264/1999

Trata-se da proibição da queima de resíduos de poluentes orgânicos, como pesticidas, fungicidas e inseticidas, em fornos usados para a produção de cimento. Isso porque a queima, além de poluição do ar por substâncias tóxicas liberadas na atmosfera, poderia contaminar produtos de cimento produzidos nos mesmos fornos.

Paulo Roberto Martini, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e ex-conselheiro do Conama, disse em entrevista ao jornal DW, que:

“A crise socioambiental vai acelerar. Se não houver água, uma bacia hidrográfica fluente, todo o conjunto de biodiversidade será prejudicada”.

Segundo relatos, Fátima Borghi, representante do Ministério Público Federal (MPF) participou da reunião e se posicionou contrária à revogação das resoluções, mas infelizmente não tinha poder de voto.

Fátima garantiu que as decisões serão questionadas na Justiça e o MPF tomará as providências cabíveis.

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Juliane Isler

Juliane Isler, advogada, especialista em Gestão Ambiental, palestrante e atuante na Defesa dos Direitos da Mulher.


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