Água virtual: a gente precisa parar de fingir que não vê


A água, no Brasil, ainda é um recurso natural abundante. Talvez por isso nós sejamos pouco conscientes desse privilégio, o que provoca um grave problema: o desperdício.

Em 1993, o cientista Tony Allan cunhou a expressão água virtual para expor a importância sobre um assunto que envolve várias áreas do saber (meio ambiente, engenharia de alimentos, engenharia de produção agrícola, comércio internacional e todas relacionadas com a água) e interfere diretamente na nossa vida.

Você tem ideia do quanto você gasta de água diariamente?

A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 110 litros são suficientes para atender às necessidades de uma pessoa em 24 horas. Desses 110 litros, um banho de apenas cinco minutos consome cerca de 60 litros de água. Mas essa estimativa da ONU não considera o importante conceito da água virtual.

O que é água virtual?

Água virtual diz respeito à quantidade de água gasta para produzir um bem, produto ou serviço, de acordo com a Sabesp.

Esse valor vem embutido nos produtos que utilizam água na sua produção, não apenas fisicamente como também virtualmente. Dificilmente, um produto é produzido sem água, mesmo que indiretamente, já que ela está presente em toda a cadeia produtiva.

Todo processo produtivo utiliza água, desde a confecção de embalagens ao transporte até o mercado.

Para você entender o conceito de água virtual, pense na produção de produtos primários, como frutas e cereais. Para que eles sejam produzidos, foi gasta uma certa quantidade de água. O cálculo sobre o produto é baseado na relação entre a quantidade total de água usada no cultivo e a produção obtida (m³/ton).

As variáveis empregadas para estimar o consumo de água engloba o tipo de planta cultivada em função do tipo de solo, clima, técnica de plantio e irrigação. Hoje em dia, já existem softwares especializados para esse tipo de cálculo.

Uma vez que se chega à quantidade de água virtual usada na produção, realiza-se um inventário hídrico para acompanhar as etapas para se obter o produto final. Logo, a água virtual é o total do líquido empregado desde o início da produção até o ponto final de venda.

Política da água

O conceito de água virtual está se expandindo para outros usos. Ele tem sido usado estrategicamente como instrumento em políticas da água. Um exemplo disso vem sendo empregado no comércio agrícola, que transfere água de algumas regiões com baixo custo para outras onde ela é escassa e cara.

Quanta água virtual usamos no dia a dia?

Se pensarmos na produção mundial agropecuária, a água virtual usada atinge níveis estratosféricos.

  • Para se produzir carne, gastam-se cerca de 15,5 mil litros de água para se obter apenas um quilo do alimento.
  • Já para produzir um quilo de carne de frango, são consumidos 4,3 mil litros.

Quando os alimentos chegam à nossa casa, o cálculo também assusta:

  • no café da manhã, uma xícara de café, um pão francês e uma fatia de queijo consomem 200 litros de água.
  • Na indústria de informática, as peças usadas na montagem de um computador consomem, aproximadamente, 31,5 mil litros de água.
  • Uma camiseta de algodão consome 200 litros de água e
  • um copo de cerveja, 75 litros.
  • Um quilo de queijo gasta 5 mil litros de água, contando o que foi ingerido pela vaca e o processo industrial posterior.

Leia mais: OS 10 ALIMENTOS QUE MAIS CONSOMEM ÁGUA PARA SEREM PRODUZIDOS

Água, um ouro azul

Os países sabem desses gastos e fazem contas usando o conceito de água virtual. A China, por exemplo, importa pelo custo 3,5 milhões de dólares cerca de 18 milhões de toneladas de soja por ano. Isso significa 45 bilhões de litros de água, recurso hídrico que a China não tem disponível para cultivar o alimento.

A água já é usada como moeda e cada vez mais ela fará parte das transações comerciais no mundo todo, uma vez que esse importante recurso está se esgotando ou sendo contaminado.

Segundo a UNESCO, o comércio global movimenta, anualmente, um volume de água virtual de 1.000 a 1.340 km³, destinados a:

  • 67 % relacionados com o comércio de produtos agrícolas;
  • 23 % relacionados com o comércio produtos animais;
  • 10 % relacionados com produtos industriais.

Atualmente, já existe uma rota com os fluxos de água virtual no planeta. O Brasil ocupa a 10ª colocação como exportador de água virtual, conforme informa a Sabesp.

Brasil, um grande exportador de água virtual grátis

O Brasil, infelizmente, não faz o cálculo da água virtual na exportação de carne. Em 2003, exportamos 1,3 milhão de toneladas de carne bovina por 1,5 milhão de dólares. Isso significou para nós um gasto de 19,5 km³ de água virtual (ou 19,5 trilhões de litros de água).

O maior comprador da soja produzida no Mato Grosso é a China, que precisa do grão para alimentar seu grande número de animais. Mas o Brasil não vem lucrando muito em ser fornecedor de soja para o país oriental, se feito o cálculo da água virtual, já que a produção não envolve qualquer tipo de compensação do custo ambiental. Logo, é muito lucrativo para a China comprar a soja brasileira. Aliás, o Brasil é conhecido como uma grande fazenda da América do Sul que vende muito e cobra pouco.

O que podemos fazer para reduzir o consumo de água virtual?

Embora os maiores gastos de água não sejam feitos por nós, somos parte do processo produtivo, já que somos consumidores. Vejamos, como tais, o que podemos fazer para reduzir o consumo de água virtual

Pensar nos nossos hábitos gerais de consumo

Guilherme Karam, coordenador de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, destaca que, embora o conceito de água virtual não seja muito conhecido, precisamos ser conscientes de que a economia de água não diz respeito apenas a tomar banhos mais curtos ou lavar a louça com a torneira fechada.

“Quando falamos em economia de água, relacionamos com banhos mais curtos ou escovar os dentes de torneira fechada. São atitudes que têm importância, mas também é imprescindível pensar nos nossos hábitos gerais de consumo e como eles podem afetar a disponibilidade de recursos hídricos”, ressalta.

Ou seja, a gente precisa parar de fingir que não vê que o consumo da água vai muito além, e  entender que está ao nosso alcance mudar os nossos hábitos de consumo e contribuir para a redução do gasto de água virtual. Simples atitudes, como reduzir o consumo de carne, já ajudam a poupar água.

Além disso, pense sempre antes de comprar inutilidades que, no fundo no fundo, não temos nenhuma necessidade de adquiri-las. Aqui no greenMe batemos sempre nesta tecla do consumo consciente, pois temos uma inteira seção dedicada ao tema.

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Alimentação

Além de podermos reduzir o consumo de carne, é imprescindível ter em mente que o desperdício de alimento é também o desperdício de água. Nenhum alimento deve ser jogado fora. Existem mil maneiras de reaproveitá-lo.

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Pressionar autoridades e indústrias

Nós, como consumidores conscientes de que a água virtual é usada no processo produtivo de tudo o que adquirimos, podemos dar valor e preferir os produtos de empresas preocupadas em alternativas que reduzam o consumo de água e conservem esse recurso. O consumidor sempre dá as fichas e contribui para o direcionamento do mercado.

Claro que ninguém vai ficar com uma calculadora fazendo contas de quanto foi gasto de água virtual ao entrar em uma loja ou supermercado, mas, como consumidores, podemos pressionar as empresas a começarem a se preocupar com esse cálculo fundamental para o meio ambiente.

Outra coisa é pressionar para que os governos exijam que as empresas disponham de um rótulo verdadeiramente transparente. No caso dos rótulos de alimentos, estes deveriam não apenas dar informações nutricionais sobre o produto, mas também: a energia gasta, bem como a água usada na produção, o número de trabalhadores empregados na empresa e o custo de produção do produto. Estes são, por exemplo, alguns dos itens propostos por Mario Pianesi em sua Etichetta trasparente pianesiana.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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