Os estereótipos que consolidam um mito de beleza inalcançável para as mulheres


No início da década de 1990, a escritora estadunidense Naomi Wolf lançou um livro que foi um divisor de águas para muitas mulheres e feministas: “O Mito da Beleza”.

Na obra, Wolf mostra como as imagens do que é considerado “belo” são usadas contra nós, mulheres. A beleza é uma qualidade apreciada como fundamental para a espécie humana, estimulando fortes competições entre os seus indivíduos, mas, sobretudo, entre as mulheres.

Homens nem ligam se são bonitos

Afinal, homens estão preocupados em ficar belos? A maioria não, mas eles estão preocupados, sim, em conseguir uma bela parceira.

Quanto tempo e dinheiro as mulheres desperdiçam de suas vidas indo a salões de beleza, comprando roupas e acessórios e fazendo procedimentos estéticos?

Todo esse investimento está sendo deslocado de atividades prazerosas e edificantes como estudar e viajar, mantendo as mulheres em desvantagem em relação aos homens nas sociedades capitalistas.

Wolf mostra em seu livro que a pressão exercida pela busca da aparência ideal (ou seja, que não é real) faz do mito da beleza uma das ferramentas de ficção que mais oprimem e controlam as mulheres em sociedades patriarcais.

Os meios de comunicação, como o cinema e a TV e, agora, as redes sociais, são agentes criadores de estereótipos que figuram o mito da beleza.

As mulheres, ao serem valoradas pela sua aparência, são tratadas como mercadoria pelo sistema capitalista.

Existem um projeto econômico, que lucra sobre as mulheres através das indústrias de cosméticos, da moda e de procedimentos estéticos, e um projeto político, que as enfraquece minando a sua autoestima e sua capacidade de discernimento sobre as suas próprias capacidades.

Síndrome da impostora

Sobre este último aspecto, as psicólogas Pauline Rose Clance e Suzanne Imes criaram o conceito “síndrome da impostora”, em 1978, para mostrar como as mulheres, ainda que bem-sucedidas em vários âmbitos de suas vidas, seguiam acreditando que o seu brilhantismo era uma questão de sorte. 

A psicoterapeuta Anne de Montarlot e a jornalista Élisabeth Cadoche foram investigar essa síndrome sistêmica que resultou no livro A Síndrome da Impostora, cuja tese principal é de que as mulheres sentem uma inadequação sem fim por estarem pouco preparadas para assumir uma responsabilidade:

“Quando uma mulher fracassa em algo pensa que não tem valor e, se triunfa, pensa que teve sorte. Quando os homens fracassam, por outro lado, têm uma lista de desculpas, seja um chefe rígido e que há uma crise mundial. Os homens externalizam o fracasso e as mulheres externalizam o sucesso”, explica Cadoche.

Uma consequência da síndrome da impostora é a exclusão das mulheres de espaços públicos e de cargos de liderança, porque elas mesmas se sentem incapazes de os ocuparem.

O mito da beleza é extremamente perverso com as mulheres, sobretudo, com aquelas que lutam contra ele.

O imaginário de que as feministas são feias e desleixadas é uma reação política daqueles que querem perpetuar a dominação sobre as mulheres. Basta lembrarmos da violência cometida pelo então deputado Jair Bolsonaro à deputada Maria do Rosário em uma entrevista:

“Ela não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece”.

Violência simbólica

As mulheres têm o direito de ter a aparência que quiserem sem serem julgadas, ameaçadas e violentadas pelos homens. Elas não precisam obedecer a nenhum padrão mítico de beleza (magro, branco e jovem) para agradar a eles e nem a ninguém.

Como analisa o site Medium, as mulheres negras também não escapam de um padrão, já que a indústria da propaganda sabe explorar qualquer brecha. O padrão de beleza ditado para uma mulher negra é racista, porque se baseia em elementos de sensualidade (quadris largos, bunda grande) e do colorismo (pele mais clara, cabelo menos crespo, ou seja, traços mais próximos da branquitude).

Nós, mulheres, só nos livraremos dessa opressão adotando outra forma de estar no mundo.

Movimentos recentes de mulheres têm dado mais representatividade à diversidade dos corpos. Já há várias marcas fazendo esse trabalho, não por oportunismo, mas por acreditar que essa mudança possível é libertadora para as mulheres.

Se existem várias “influencers” reforçando o mito da beleza, existem várias outras desmistificando-o.

Ter estas como referência já é um passo para se aproximar da realidade e se afastar de um ideal opressor que, além do mais, não existe.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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