Moda, estilo, imagem: o mercado se organiza para violentar corpos femininos


Uma das profissões que mais vem crescendo no país, nos últimos anos, é a consultoria de estilo. A maioria dos profissionais que trabalha com esse tipo de consultoria é formada por mulheres jovens, descoladas, bem arrumadas que migraram de uma carreira que não lhes satisfazia para se descobrirem nessa nova faceta do universo da moda.

É claro que existem profissionais que, além de oferecerem um serviço sério de consultoria de estilo, produzem conteúdo de qualidade sobre a relação das mulheres com a moda e a imposição de uma série de imagens estereotipadas que decorre dessa relação, em geral, abusiva.

Consultoria da diversidade

Uma das principais vozes que alerta sobre a importância de, ao construir a sua imagem, a pessoa estar conectada consigo, com os seus valores e desejos, e não com modismos e imposições sociais, é Thais Farage, que se apresenta como consultora de moda subversiva. Mas subversiva em quê?

A Thais criou uma empresa de consultoria de estilo da qual fazem parte funcionários não apenas com diferentes estilos mas que são “diferentes”, apenas. Em um universo onde ditar regras que impõem critérios homogêneos de gosto, referências e tipo ideal de beleza, selecionar uma equipe “diferente” pode ser, inclusive, uma faca de dois gumes.

Mas na vida é preciso tomar partido e fazer escolhas. O universo da moda, sobretudo com a pandemia de 2020, vestiu outra roupa, porém, em alguns casos, o tecido é o mesmo.

No nicho da consultoria de estilo, vemos consultoras propagando um consumo inconsciente, pouco realista – porque não cabe no orçamento de quase ninguém, sobretudo, em um momento em que roupa está longe de ser prioridade – e repleto de uma retórica vazia sobre empoderamento feminino a partir do controle da autoimagem.

Análise cromática

Um dos serviços que as consultoras de estilo oferecem às clientes é a análise de coloração pessoal, que já virou uma febre no Instagram.

Uma delas vende assim o serviço:

A consultoria de imagem individual é um serviço exclusivo que conta com análise de coloração pessoal, de tipo físico e de estilo pessoal, para um diagnóstico preciso de suas características pessoais. Com essas informações podemos fazer um descarte de peças que não são se encaixam nos critérios e organizar o armário de forma personalizada e prática, assim como comprar de forma certeira.

Alguns profissionais do ramo consideram roupas como algo descartável ou colocam em discussão temas que ajudam a cimentar o imaginário social de que os corpos femininos são imperfeitos, como, por exemplo, se clareamento dental e coloração pessoal têm relação. A consultora explica que há, sim, certos “perfis” que se encaixam melhor com “dentes extrabrancos”, sobretudo, as pessoas de “peles frias” que ficam bem com “cores vivas”.

A conclusão desse teorema se deve ao fato de o branco ser uma cor fria e viva.

Violência estética

As “análises” sobre conteúdos desse tipo não são somente absurdas – e até jocosas – como endossam um tipo de prática social contra nós, mulheres: a violência estética. Se ao profissional é demandado dar cátedra sobre o assunto, vale mais desvelar o que está por trás do questionamento do que contribuir, sem nenhuma crítica, para um mercado que está repleto de superficialidade, destrói a autoestima e mata muitas pessoas que se submetem a procedimentos porque estão insatisfeitas com a sua imagem.

Segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS), em 2018 foram realizadas no Brasil 1.498.327 de cirurgias estéticas, o que nos posicionou como o país que mais realiza procedimentos estéticos do mundo.

No mundo todo, 87,4% dos pacientes que buscam esses procedimentos são mulheres, sendo que a quase a totalidade dos óbitos decorrentes deles têm como vítimas, claro, as mulheres, informa o Todas Fridas.

Há poucos dias, a morte de Liliane Amorim provocou consternação na internet após ela contrair uma infecção generalizada decorrente de uma lipoaspiração conhecida como “lipo LAD”, técnica que elimina gordura ao mesmo tempo em que simula o formato tanquinho no abdômen.

Embora o clareamento não seja uma intromissão estética aparentemente tão radical quanto uma cirurgia, é preciso discutir a lógica que impera por trás dessa insatisfação das mulheres e como diversos profissionais estão autorizados a intervir não apenas na nossa autoestima, a partir de imaginários que criam um padrão estético, como diretamente nos nossos corpos.

Além de uma consultora ou outro profissional qualquer da imagem ser, na maioria dos casos, uma mulher que está endossando a violência estética de gênero, há várias outras curtindo as “dicas” oferecidas. Logo, contextualizar a profissão e o que é exigido dela é um bom caminho para quem trabalha com tanto simbolismo.

Nessas horas, não há como não lembrar de uma mulher que usa a sua rede social para mostrar o seu corpo e como ela é feliz nele: Alexandra Gurgel. Em sua página “Alexandrismos“, Alexandra mostra a razão e a necessidade de os corpos poderem ser livres, sobretudo, os corpos femininos. Ela fala sobre gordofobia e defende que não existe corpo perfeito, que é uma idealização criada para oprimir, principalmente, as mulheres.

Respondendo ao “conteúdo” sobre a “função do clareamento na harmonização da imagem pessoal”, além de haver divergências entre os dentistas sobre esse procedimento, por ser corrosivo e danificar a longo prazo os esmaltes dos dentes, a natureza nos brinda com uma cor dental que harmoniza perfeitamente conosco. Fica a dica!

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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