O poder da leitura: Adriana Cavalcanti, moradora de rua e sua grande inteligência


Os livros nos colocam em contato com outras realidades, com outros aspectos da humanidade que nos ajudam a (re)conhecer a nós mesmos através de um outro. E foi por conta dessa ampliação de vivências que a literatura mudou a história de Adriana Cavalcanti, 29 anos, transexual, negra, nordestina – ou seja, todas as categorias que marginalizam uma pessoa no Brasil reunidas em uma só – e fez a vida dela menos solitária.

Adriana vive nas ruas de Campinas há 17 anos. Desde os 12 anos, ela passou a morar nas ruas, após fugir de uma unidade de internação da Febem, hoje Fundação Casa. Dessa dura realidade, Adriana diz que nunca fez mal a ninguém e que seu único “crime” foi roubar biscoito para comer. Nas palavras dela: “a fome é cruel”, segundo matéria do G1 que pode ser vista aqui na íntegra.

Ela começou a buscar em livros respostas para algumas de suas inquietações: “porquê é quem é, o porquê o Brasil é o Brasil”. Adriana ganhou notoriedade a partir da visualização de milhares de pessoas que a escutaram opinar sobre a greve dos caminhoneiros. No vídeo, ela dá a sua opinião sobre esse momento político-econômico brasileiro e o que pensa da democracia no país. Acontece que Adriana confiou à literatura entender o mundo. Na solidão das ruas, ela encontrou nos livros uma voz e uma escuta.

O comentário “inusitado” despertou a atenção das pessoas e a curiosidade de saber como a moradora de rua era tão politizada. Foi assim que internautas organizaram um financiamento coletivo para buscar recursos para ajudar Adriana a construir uma outra vida fora das ruas.

A ação arrecadou R$ 5 mil, um valor insuficiente para dar um lar a Adriana. Entretanto, os apoiadores já estão se organizando para conseguir mais apoios, a fim de conseguir um terreno e um casa contêiner para ela.

Adriana se entusiasma com a possibilidade de ter a sua própria casa: “Imagina se eu consigo um terreno qualquer, um terreninho que seja, que eu consiga me estabelecer, ter espaço para deixar meus cães, meus livros”.

Livros do coração

Foram muitos os livros que acompanharam Adriana durante todos esses anos, mas há um em especial que ela considera sagrado: “Capitães de Areia”, de Jorge Amado. Não por casualidade, já que a obra diz respeito a crianças e adolescentes moradores de rua em uma Salvador dos anos 1930. Trata-se, para Adriana, de uma obra de ficção real.

O seu interesse pela literatura começou com a inspiração dos professores de português que teve nas casas de acolhimento onde viveu e na antiga Febem. Foi na leitura que ela organizou seu refúgio para lidar com o preconceito e a solidão. “Eu comecei na minha solidão, isolamento, a conversar com os livros. Foi quando descobri Jorge Amado, Aluísio Azevedo, Tobias Barreto, Joaquim Manoel de Macedo”, lembra.

A sua paixão pela literatura é tamanha que ela chegou a organizar uma biblioteca itinerante, na rua, com os seus próprios livros, os quais emprestava a outros moradores de rua ou a qualquer um que quisesse lê-los. Por uma ação política estúpida, o projeto acabou.

Os livros se foram, mas as páginas já estavam impressas em Adriana. Segundo a leitora, sua lista de livros preferidos é:

Capitães de Areia, de Jorge Amado

As Vítimas Algozes e A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo

O Abolicionismo, de Joaquim Nabuco

Poemas, de Cruz e Souza

Composições, de Vinícius de Moraes

Atualmente, Adriana está lendo “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo. Ela conta que outro dia um rapaz a interpelou dizendo que era obrigado a ler esse livro “chato” na escola. Após Adriana ler três páginas para ele, o rapaz lhe disse: “nossa, mas é bonito, hein?”. Além de fazer a leitura da obra, Adriana lhe deu uma lição de vida: “Não, bonito é a maneira que você o enxerga, e a maneira que eles te oferecem”, conta.

Além dessa lição, Adriana tem muitas outras para compartilhar, as quais ficaram invisíveis tanto tempo, como ela. “O mundo já está te condenando. Se você continuar se condenando quanto o mundo de condena, tá f….. Se o mundo tá de condenando, se absolva. Se o mundo te priva, se permita“, diz.

Que bom que Adriana encontrou na literatura algum sopro de liberdade e acalanto! De fato, os livros têm mesmo esse poder. E nós estamos aqui torcendo para que Adriana tenha logo a sua casa, para estar junto com os seus cachorros e livros, seus grandes companheiros.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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