Jumentos em extinção no Brasil, morrem de fome e sede para abastecer mercado chinês


Exportação de jumentos do Brasil para a China vira caso de polícia. Parece manchete do Sensacionalista, mas é real.

No final de janeiro, a polícia da cidade de Canudos (BA) recebeu uma ligação anônima denunciando que, aproximadamente, 200 jumentos que seriam abatidos e exportados para a China morreram de fome em uma fazenda local, além de mais 800 animais estarem correndo o risco de ter o mesmo destino.

Segundo a BBC News Brasil, a Polícia Civil da Bahia não se mostrou surpresa com o teor da ligação, pois em outro município baiano, Itapetinga, centenas de jumentos já haviam morrido de fome e de sede.

Ambos os casos chamaram a atenção de autoridades locais não só pela quantidade de jumentos envolvidos como pela possibilidade de a espécie entrar em extinção, pelo ritmo com que os animais vêm perdendo a vida.

O abate de jumentos tem crescido no país desde 2016, devido à exportação da pele do animal para a China. O país asiático produz o ejiao, uma substância com gelatina do couro da espécie.

O produto é usado, pela medicina tradicional chinesa, para diversos problemas de saúde, como: menstruação irregular, anemia, insônia e até impotência sexual.

Substituição dos jumentos

O Nordeste é a região brasileira com a maior população de jumentos. Dados de 2013 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostravam que 90% dos cerca de 900 mil jumentos do Brasil estavam em estados da região, que, historicamente, sempre os usou para o transporte e o trabalho no campo.

Entretanto, há cerca de uma década, o crescimento econômico no Nordeste fez com que veículos motorizados substituíssem os animais, o que provocou o abandono em massa deles. Hoje, eles vagam por rodovias e estradas em busca de comida, o que gerou o aumento do número de acidentes de trânsito em vários estados nordestinos.

O Departamento Estadual de Trânsito (Detran) do Ceará chegou a criar um órgão especializado no recolhimento dos animais encontrados em rodovias. Em 2018, foram recolhidos 4.500 jumentos das estradas cearenses. Os animais são levados para uma fazenda, onde recebem tratamento e são destinados para a adoção. Já o governo do estado da Bahia tomou uma decisão cruel: abateu 300 animais recolhidos das ruas, em 2016.

Para tentar resolver o problema, foi discutido usar a carne do animal para a alimentação, mas questões culturais impediram o projeto de seguir adiante, visto que o jumento é um símbolo tradicional da cultura nordestina. Menos mal que a população recusou-se a comer a carne do animal.

Exportação para a China

Um acordo comercial entre Brasil e China impulsionou a exportação de jumentos. Em 2016, o Brasil exportou 24.918 toneladas de cavalos, asininos e muares e, em 2018, esse número saltou para 226.432 toneladas – crescimento de 808% em apenas dois anos, segundo o Ministério da Agricultura.

A coordenadora da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, Gislane Brandão, diz que ONGs em defesa dos animais e a polícia encontram uma paisagem devastadora em Canudos: jumentos mortos, desnutridos e muitas carcaças.

A estimativa é de que 200 animais do total dos 1.000 encontrados na fazenda tenham morrido de inanição. A promotora e coordenadora do centro de apoio às Promotorias de Meio Ambiente da Bahia, Cristina Seixas, diz que:

“Não havia condições mínimas de sobrevivência”.

A fazenda onde os jumentos foram encontrados havia sido arrendada por chineses, segundo a polícia civil. De lá, eles seriam levados para um frigorífico, onde seriam abatidos. Os chineses foram denunciados por maus-tratos, informa o delegado Roberto Júnior, coordenador regional da Polícia Civil em Itapetinga, cidade onde jumentos foram encontrados amontoados em um cubículo.

A empresa para a qual os chineses trabalhavam, Cuifeng Lin, foi multada em R$ 40 mil pela Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab).

Após essa tragédia ocorrida em Itapetinga, os abates de jumentos na Bahia foram suspensos pela Justiça.

Risco de extinção

As autoridades e entidades defensoras de animais estão preocupadas com esse aumento de abates de jumentos poder levar ao extermínio da espécie no Brasil. O Conselho Regional de Medicina Veterinária da Bahia calcula que pelo ritmo atual os asininos podem ser extintos do país em cinco anos.

A diretora do Fórum Nacional de Proteção e Defesa de Animal, Elizabeth MacGregor, explica que:

“O Brasil não tem cadeia produtiva de jumentos. Ou seja, eles não são criados para o abate, como os bovinos. Se continuar assim, a espécie será exterminada. O Estado brasileiro não se preocupou em dar tratamento digno para os jumentos, que são um símbolo cultural do Nordeste e do país“.

A promotora Cristina Seixas Graça também vê o problema de forma crítica:

“Estamos nos tornando apenas uma fonte de exportação sem ter nenhuma grande vantagem econômica por essa atividade que pode acabar com a espécie”.

O Ministério da Agricultura disse, em nota, que os estabelecimentos são responsáveis por garantir os instrumentos e mecanismos de autocontrole para o bem-estar dos animais e que equipes do Serviço de Inspeção Federal (SIF) têm fiscalizado regularmente os frigoríficos.

A questão não é apenas econômica, mas também simbólica e cultural. O crescimento econômico pelo qual o Nordeste vem passando é fundamental para o desenvolvimento de uma região que sempre foi alijada das preocupações de governos. Entretanto, esse desenvolvimento não poderia ocorrer sem o respeito às tradições locais. Além das consequências cruéis para os animais, a população nordestina está perdendo o vínculo com o seu legado simbólico. Se Ariano Suassuna fosse vivo estaria extremamente desgostoso e triste com esta notícia.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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