Consumo de carne e doenças: mais um motivo para rever seus hábitos alimentares


Mudanças ambientais, aumento do consumo de carne, maior circulação de pessoas no mundo, urbanização acelerada, crescimento das desigualdades sociais. Esses e outros fatores combinados nos tornam mais vulneráveis aos surtos de doenças como o coronavírus, que já matou mais de 360 pessoas na China e tem se espalhado com velocidade impressionante pelo mundo.

Doenças do passado… e do presente

No apagar das luzes do século XX, imaginava-se que surtos de doenças e pandemias eram coisas do passado, e que episódios como a da gripe espanhola de 1918 – que infectou meio bilhão de pessoas, vitimando entre 50 e 100 milhões delas – não mais se repetiriam graças aos avanços da ciência e da tecnologia, bem como à maior disponibilidade de recursos em um mundo que vinha gerando cada vez mais riqueza.

Entretanto, todas essas benesses tiveram consequências. Como destacou recentemente Tim Benton, diretor de pesquisa da equipe de Riscos Emergentes da Chatham House – o Instituto Real de Relações Internacionais da Grã Bretanha – as mudanças climáticas e a globalização alteram a maneira como os animais e os seres humanos interagem, o que faz soar o alerta quanto a futuros surtos de doenças com ampliada capacidade de propagação.

“Os seres humanos sempre contraíram doenças de animais. De fato, a maioria das novas doenças infecciosas vem da vida selvagem. Mas as mudanças ambientais estão acelerando esse processo, enquanto o crescimento da população das cidades e do número de viagens internacionais faz com que, quando essas doenças surgem, podem se espalhar mais rapidamente”, alertou Benton, que é também o chefe do programa de Energia, Meio Ambiente e Recursos, em um artigo publicado pela BBC.

Pobreza, limpeza, saneamento

O especialista também destacou que há variações quanto ao grau de vulnerabilidade dos grupos populacionais, considerando as marcantes diferenças sociais entre eles. Nas cidades mais pobres, maior é a probabilidade de um grande número de habitantes se envolver em atividades de limpeza e saneamento, o que aumentam as possibilidades de contato com fontes e portadores de doenças. Aliado a isso, piores condições sociais se relacionam a populações com sistemas imunológicos mais fracos devido à má nutrição e a uma maior exposição a condições insalubres, bem como a um menor acesso à assistência médica caso adoeçam.

Consumo de carne e propagação de doenças

Embora existam motivos de sobra para preocupação com os mais pobres, os hábitos alimentares típicos de populações mais abastadas são um elemento-chave na equação. O aumento do consumo de carne, de vários tipos, relaciona-se diretamente à melhoria de vida e ao crescimento do poder aquisitivo. Esse apetite específico estimula uma maior circulação de animais pelas cidades, onde há cada vez maior concentração de pessoas, gerando um ambiente propício para a proliferação de doenças.

A cidade chinesa de Wuhan, onde surgiu o novo coronavírus, permanece sob os holofotes da mídia mundial, com destaque para os mercados locais de carne fresca e a cultura de se consumir animais tido como exóticos para os olhares ocidentais.

No entanto, mesmo hábitos alimentares tidos como comuns em diversas partes do mundo representam uma ameaça.

Basta recordar que epidemias de grandes proporções, registradas neste século XXI que mal começou, relacionaram-se a hábitos supostamente mais palatáveis como o consumo de aves e de porcos. A gripe aviária dos anos 2004-07 e a gripe suína de 2009 são bons exemplos disso.

Como destacado recentemente pela BBC Brasil, atualmente, cerca de três em cada quatro novas doenças são zoonóticas, ou seja, transmitidas por animais. Além das já mencionadas, vale lembrar também do Ebola e da síndrome respiratória aguda grave (Sars, na sigla em inglês), todas deste século e relacionadas a interferências humanos no meio ambiente, como o inchaço das cidades e alterações no comportamentos dos animais, que passam a circular mais em espaços de grande aglomeração em busca de comida, por exemplo.

Prevenção

Prevenir uma pandemia como a gripe espanhola – que, diga-se de passagem, hoje se espalharia com muito mais facilidade dada a incrível mobilidade mundial adquirida desde então – passa por investimentos em programas de saúde, vacinas e informação à população, bem como acesso à higiene básica. Tudo isso depende da capacidade de intervenção dos governos locais onde os surtos por ventura surgem, uma vez que ainda não existem mecanismos globais capazes de dar respostas em casos assim.

A capacidade atual do governo chinês para intervir na situação atual, por exemplo, é muito maior do que a demonstrada pelo governo dos países da África Ocidental durante o surto de Ebola, quando os sistemas de saúde locais na Guiné, Libéria e Serra Leoa falharam, resultando na morte de 11.310 pessoas.

Nesse cenário, os cientistas vêm alertando que a redução do consumo de carne representa uma forma eficaz evitar epidemias futuras, bem como de reduzir os danos ao meio ambiente.

Estamos todos inevitavelmente ligados. Uma mudança cultural envolvendo a todos, e não apenas chineses, começa pela boca e se faz necessária já.

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Gisele Maia

Jornalista e mestre em Ciência da Religião. Tem 18 anos de experiência em produção de conteúdo multimídia. Coordenou diversos projetos de Educação, Meio Ambiente e Divulgação Científica.


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