Campanha da Fraternidade 2021: em vez de paz, guerra, em vez de união, polarização


A Campanha da Fraternidade 2021 virou uma disputa de narrativas e com isso transformou-se em polêmica. Mas, no fundo, tudo isso dá mostras do sinal dos tempos em que vivemos, no qual o diálogo parece ser quase impossível ser construído.

A Campanha da Fraternidade, lançada no início do Quaresma, é uma ação ecumênica, realizada a cada quinquênio pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic), que tenta reunir diversas denominações cristãs em torno de um tema.

Este ano, o tema “Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor” e o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade” não decolaram. Pelo contrário, no lugar do diálogo, a disputa; no lugar da unidade, fissuras abismais.

No lançamento da campanha, o secretário-geral da CNBB, dom Joel Portella Amado, explicou que o objetivo este ano é buscar o diálogo como forma de superação de polarizações e das violências que têm pontuado os dias atuais, tanto por causa da política quanto pela pandemia da Covid-19:

O vírus, já tão letal em si mesmo, encontrou aliados na indiferença, no negacionismo, no obscurantismo, no desprezo pela vida. Sejamos, portanto, aliados na responsabilidade, na lucidez e na fraternidade”.

A CNBB divulgou mensagem do Papa Francisco para os brasileiros, no início da Quaresma e da abertura da Campanha, pedindo reflexão e revisão da vida:

“O Senhor Jesus, que nos convida a caminhar com Ele pelo deserto rumo à vitória pascal sobre o pecado e a morte, faz-se peregrino conosco também nestes tempos de pandemia”.

Acontece que o texto-base da campanha, que justifica a escolha do tema, gerou polêmica e recebeu uma onda de críticas ao reprovar a “negação da ciência” durante a pandemia da Covid-19, criticar a atuação do governo federal no combate ao coronavírus e de igrejas que não respeitaram o distanciamento social, além de condenar agressões contra mulheres, negros, indígenas e comunidade LGBTQI+, informa o Correio Braziliense.

Guerra santa

Católicos conservadores mobilizaram-se para boicotar a campanha questionando a defesa de grupos minoritários no texto-base, sobretudo, o trecho que diz:  “outro grupo social que sofre as consequências da política estruturada e da criação de inimigos é a população LGBTQI+”, informa o TNH1.

A CNBB chegou a se pronunciar através de nota dizendo que o Conic foi o responsável pela elaboração do texto em seu formato ecumênico:

“Não se trata, portanto, de um texto ao estilo do que ocorreria caso fosse preparado apenas pela comissão da CNBB”.

Quem tem sido alvo de ameaças de fundamentalistas cristãos nessa “guerra santa” é a pastora luterana Romi Bencke, coordenadora da campanha em 2021. Ela teve que mudar a sua rotina devido a ameaças que vêm sofrendo de extremistas pelas redes sociais, informa o TNH1. Segundo a pastora:

“Um dos objetivos da campanha é a denúncia da utilização do nome de Jesus para fundamentar uma cultura de ódio. E a gente sabe que boa parte da discriminação contra pessoas LGBTQI+ e também contra as mulheres se vale do discurso religioso cristão para se legitimar. Então, numa campanha sobre diálogo, seria, sim, praticamente impossível não tocar nesses temas que são tabu”.

Em uma entrevista ao Metrópoles, Romi diz estar aberta a dialogar com os fiéis que se sentiram ofendidos, porque, afinal, a discordância é legítima, mas o discurso de ódio não:

“Ninguém precisa concordar com a forma como o texto está escrito. Ter pensamentos diferentes faz parte da liberdade de expressão, e não impede que a gente converse sobre esses temas. Divergências de opinião tá tudo bem, o que eu não aceito é o ataque de ódio. A gente precisa refletir sobre a responsabilidade de quem propaga esses discursos. Os vídeos desse Centro Dom Bosco [canal ultraconservador no YouTube] têm sido muito assistidos. E eles fomentam a violência. Então, a partir do momento em que fazem o discurso que eles estão divulgando, numa cruzada santa em que o mal tem de ser eliminado, é claro que alguém que realmente acredita que está numa cruzada santa vai achar que fará uma grande contribuição para a obra de Deus se eliminar o mal”.

Distantes de Jesus

De fato, o diálogo para alguns fiéis e lideranças religiosas parece impossível, o que nos faz questionar o quão distantes dos ensinamentos de Jesus essas pessoas estão.

Além de intolerância religiosa e falta de empatia e respeito pelas minorias, a perseguição a uma pastora coloca em questão, também, o preconceito que mulheres ordenadas enfrentam dentro do universo religioso, que é ocupado prioritariamente por homens.

O problema, infelizmente, não está restrito apenas ao Brasil. O fundamentalismo religioso na América Latina vem crescendo por estar relacionado a movimentos de deslegitimação de agendas democráticas, como os direitos sexuais reprodutivos e o debate sobre a família, posto pelos fundamentalistas como “ideologia de gênero”.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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