Não só nas Paralimpíadas: precisamos parar de ver deficiência como incapacidade


Se tem um legado que os Jogos Paralímpicos estabelecem é fazer com que a deficiência, qualquer que seja ela, deixe de ser vista como anormalidade ou incapacidade para realizar algo.

Trata-se de um momento importante para discutir inclusão, combate à discriminação e lançar um olhar natural sobre a diversidade dos corpos e das formas de estar no mundo.

Para a especialista em políticas públicas Mariana Torquato, que nasceu sem o antebraço esquerdo e foi ouvida pela BBC News, a sociedade precisa entender que pessoas como ela são absolutamente normais como qualquer outra. Elas não são exemplos de superação e nem coitadinhas.

A jornalista Ana Clara Moniz também compartilha desse mesmo entendimento. Cadeirante e portadora da doença neuromuscular atrofia muscular espinhal (AME), ela conta que:

“As pessoas costumam me colocar num pedestal, me dar parabéns, simplesmente por eu estar bebendo cerveja no bar, sendo que eu só estou sendo uma universitária”.

Ambas esclarecem que muitas vezes os elogios disfarçam o preconceito. Muitas pessoas se aproveitam do corpo com deficiência para tentar melhorar a sua autoestima, por verem as pessoas com deficiência como inferiores.

A falta de conhecimento faz com que as pessoas com deficiência ainda sejam vistas como diferentes, anormais ou incapazes. Nesse sentido, os meios de comunicação são fundamentais para mostrar como elas vivem, e não apenas a cada quatro anos, quando ocorrem as Paralimpíadas, seja dada visibilidade à superestimada superação dos atletas.

Para fugir dos clichês das coberturas jornalísticas durante os Jogos Paralímpicos e contribuir para a normalização das pessoas com deficiência, Moniz começou a cobrir o evento pelo Instagram:

“Não que eu resolva o problema dessa falta de visibilidade — nem chego perto disso —, mas queria falar sobre, me dedicar a assistir e entender o que está acontecendo”.

Abaixo o preconceito

A necessidade de inclusão de pessoas com deficiência em pautas cotidianas é uma forma de incluí-las na vida social para além dos estereótipos. Tanto Torquato quanto Moniz defendem a importância de isso começar na infância, na escola, evitando categorizações segregadoras ou escolas “especiais”, como vem tentando instituir o governo federal.

O atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, é um exemplo de como a falta de conhecimento está a serviço do preconceito. No mês passado, ele declarou no programa Roda Viva, da TV Cultura, que:

“Alunos com deficiência atrapalham o aprendizado de outras crianças sem a mesma condição”.

Após uma saraivada de críticas, nesta semana ele veio a público desculpar-se e assumir a sua ignorância, visto ter “pouco conhecimento” sobre as causas das pessoas com deficiência, segundo divulgou o Correio Braziliense.

A pasta liderada por Ribeiro deveria ser a primeira a adotar políticas públicas integradoras para as pessoas com deficiência, como já o foi em gestões anteriores. Sobre isso, Torquato explica que:

“A inclusão que a gente viu atualmente no Brasil não é perfeita, até porque a gente tem pouca experiência em inclusão. A gente precisa de curso, de capacitação, de segundo professor, de monitoria, de coisas que a gente não vê em todas as escolas, e de reformas para acessibilidade”.

Show de medalhas

Após o bom desempenho dos atletas brasileiros nos Jogos Olímpicos, mesmo com a falta de investimento do governo federal em esportes, os atletas paralímpicos também têm conseguido destaque. O Brasil ocupa, até este momento, a 7ª posição no ranking com a conquista de 61 medalhas no quadro geral de medalhas, sendo:

  • 21 medalhas de ouro;
  • 14 medalhas de prata;
  • 26 medalhas de bronze.

Diversidade e imperfeição

Conforme diz a pesquisadora Luciene M. da Silva em seu artigo “O estranhamento causado pela deficiência: preconceito e experiência“:

“O preconceito às pessoas com deficiência configura-se como um mecanismo de negação social, uma vez que suas diferenças são ressaltadas como uma falta, carência ou impossibilidade”.

Não falta nada para as pessoas deficiência. Elas são completas. A falta está nos outros, como revela a fala do ministro Ribeiro: falta conhecimento, contato, empatia, abertura para o outro, disponibilidade para a vida.

Os corpos com deficiência nos mostram aquilo que é óbvio, mas que alguns tentam esconder: a imperfeição. A busca pela perfeição, sobretudo pelo corpo perfeito, é uma abstração que não encontra respaldo na realidade.

A diferença sempre esteve na natureza, mas nós, seres humanos, buscamos o tempo todo padronizar aquilo que é normal: a diversidade.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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