Fascismo e fascista: o que, afinal, significam esses termos?


Vira e mexe os termos fascista e fascismo caem na boca do povo. No calor das discussões políticas, fascista e fascismo são palavras colocadas muito fora dos contextos histórico, filosófico e político que representam.

Em meados de 2020, em plena pandemia, com restrições de liberdade, obrigação de se vacinar em muitos países (o tal do passaporte verde) fez com que usuários de redes sociais passassem a se manifestar contra o fascismo. Com medo de ocupar as ruas por causa do contágio do coronavírus, muitos usaram o ativismo digital para defender a democracia. E choveu hashtag #somostodosantifascistas,  #fascistanunca e outras similares.

Agora, os termos voltaram à pauta por causa das eleições. Na Itália, a vitória de Georgia Meloni, a  primeira mulher premier no país que inventou o fascismo, reacendeu os ânimos antifascistas.

Muitos jornais mundo afora a acusam de fascista de extrema direita.

No Brasil, o mesmo aconteceu com o ex-presidente Jair Bolsonaro. No calor do ódio contra ele, o chamaram de fascista durante todo o seu mandato.

Mas será que Georgia Meloni, Jair Bolosnaro e outras personalidades são de fato fascistas?

Afinal, o que é fascismo? Pode-se dizer que ainda existem fascistas hoje em dia?

O que é o fascismo

Embora estejamos falando de fascismo e de movimentos antifascistas, é preciso entender a raiz desse termo para compreendermos o momento atual em que a palavra está em jogo.

Império Romano

Fascismo tem sua raiz etimológica no termo latino fasces, que cunhou a expressão fasces lictoris (em italiano: fascio littorio) em referência a um símbolo usado pelo Império Romano que representa poder e autoridade.

O objeto símbolo do poder de punir no Império Romano constitui-se de um feixe de varas de madeira amarradas por tiras de couro vermelhas (fasces), representando soberania e união.

Muitas vezes, o feixe é ligado a um machado de bronze, que simbolizava o poder de vida e morte sobre os romanos condenados. É muito utilizado na heráldica como símbolo da força da união em torno do chefe.  O fasces era usando em rituais nos quais cada membro de um corpo de apparitores (oficiais subordinados), chamados lictores, carregava o objeto fasces ante um magistrado. 

Fonte imagem: Wikipedia

Movimento fascista

No século XX, o termo foi usado em referência ao regime fascista na Itália, liderado por Benito Mussolini. O fascismo nasceu oficialmente em 23 de março de 1919, quando Mussolini fundou em Milão o grupo “Fasci di Combattimento”, que reunia ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial (1914-18).

Nessa época, a Itália vivia um caos: estava à beira de uma guerra civil, passando por uma crise política, econômica e social. O Estado já não tinha mais controle sobre nada e, com o êxito da recente Revolução Russa em seu encalço, o fantasma da chegada do comunismo ao país foi manipulado dando espaço para o grupo de Mussolini.

Os ataques de brigadas fascistas irromperam e, depois, elas vieram a se tornar milícias paramilitares que atuavam contra políticos de esquerda, judeus, homossexuais e órgãos da imprensa. Essas milícias ficaram conhecidas como os “camisas negras”.

Em 1921, o movimento se institucionalizou com a fundação do Partido Nacional Fascista (PNF), cujo símbolo era exatamente o “fascio littorio”.

As características do regime fascista

O regime fascista caracterizava-se por ser totalitário, baseado em um partido único, cuja característica fundamental era a militarização da política, que tratava os seus adversários como inimigos a serem eliminados.

O fascismo foi, portanto, um movimento de massas organizado militarmente que tomou o poder na Itália transformando um regime parlamentar em um Estado totalitário, isto é, um Estado com um partido único.

Tudo era dentro do Estado, nada era fora do Estado, tudo era a favor do Estado, nada poderia ser contra o Estado.

Hoje, a direita política, aquela que vem a ser chamada de fascista, ao defender uma economia liberal e a intervenção mínima do Estado sobre a sociedade está muito longe de ser fascista. Faltam elementos básicos que caracterizem o fascismo como o regime totalitarista que foi.

Com a palavra, os especialistas: existe fascismo hoje?

Com a volta da palavra fascismo aos tempos atuais, a BBC consultou especialistas italianos para entender o significado histórico dela. Hodiernamente, o termo fascismo passou a adjetivar figuras políticas de extrema direita com tendências nacionalistas e preconceituosas de vários tipos.

A BBC conversou com o historiador Emilio Gentile, considerado na Itália o maior especialista vivo sobre o fascismo, autor do livro Storia del Fascismo. Ele defende que é preciso não confundir as ideias ao observar um fenômeno que, na verdade, tem a ver com a crise da democracia.

Gentile esclarece que o fascismo, hoje, não existe e o que há de novo são líderes de direita nacionalistas e xenófobos:

“O fascismo sempre negou a soberania popular, enquanto o nacionalismo populista de hoje reivindica o sucesso eleitoral. Esse políticos de agora se dizem representantes do povo, pois foram eleitos pela maioria. Isso o fascismo nunca fez”.

Já o sociólogo italiano Domenico De Masi , autor de Come il fascismo educava alta violenza, explica que não se pode falar de um fascismo histórico hoje, mas acredita que uma figura como o presidente Jair Bolsonaro é um político de inspiração fascista. Quando ainda era candidato à Presidência, por exemplo, ele disse várias vezes que iria “metralhar a petralhada” – uma clara alusão à eliminação física de adversários políticos, tal como o fascismo italiano fazia.

Diferenças entre Fascismo e Autoritarismo

Se o fascismo de ontem não pode ser colocado em termos ipsis litteris hoje, alguns especialistas usam a palavra autoritarismo. De Masi, destacando as diferenças entre o autoritarismo brasileiro e o europeu, explica que na Europa, o sentimento de inspiração fascista é fortemente alimentado pelo discurso anti-imigração, enquanto no Brasil o fenômeno começou estimulado pelo sentimento antipetismo – e, na esteira, podemos acrescentar os discursos contra qualquer diferença: regional, étnica, social, de gênero, etc.

Um outro especialista ouvido pela BBC, o historiador Eugenio Di Rienzo, professor de História Contemporânea da Universidade Sapienza em Roma, autor de Un dopoguerra storiografico, explica que não se pode confundir os termos:

“Não se pode fazer uma analogia entre aquele fenômeno e outro. O fascismo não se reproduz mais, é preciso cuidado com o uso da palavra, pois acaba provocando desinformação. Um racista não é sempre um fascista. O governo de (Recep Tayyip) Erdogan na Turquia é autoritário, mas não fascista”.

Di Rienzo destaca que a confusão acontece pelas semelhanças entre o fascismo e os comportamentos autoritários de líderes contemporâneos, que fazem uso da propaganda fascista, opinião com a qual Gentile concorda:

“Na verdade, faz-se propaganda de um fascismo que parece eterno, mas ao menos na Europa é um fenômeno novo que se relaciona à crise da democracia, ao medo da globalização e dos movimentos imigratórios que poderiam sufocar a coletividade nacional. Mexe com a imaginação das pessoas, mas não se trata de um perigo real”.

Como o fascismo parece continuar rondando as nossas vidas, a BBC entrevistou Emilio Gentile novamente para perguntar-lhe se seria correto definir Donald Trump, Vladimir Putin, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán, entre outros políticos, como fascistas. O especialista foi categórico: “Absolutamente, não”. A explicação para ele é que nem todo governo autoritário necessariamente é totalitário.

Aqui, é preciso fazer algumas distinções. Governos autoritários de extrema direita seriam aqueles que têm como valor supremo a nação, em detrimento de alguns princípios de liberdade e igualdade originários da Revolução Francesa.

Já um regime totalitário (fascista) submete a população a um sistema hierárquico militarizado que anula, à força, qualquer tipo de diferença e oposição.

Novos usos, novas forças

Em 1944, o escritor e jornalista inglês George Orwell escreveu uma obra intitulada O que é fascismo? E outros ensaios, cuja temática são os autoritarismos em suas distintas formas, em especial o fascismo. No texto, Orwell argumenta que o uso indiscriminado da palavra fascismo agrega a ela um significado emocional:

“Por fascismo, eles estão se referindo, de maneira grosseira, a algo cruel, inescrupuloso, arrogante, obscurantista”.

No caminho de Orwell, muitos sociólogos e cientistas políticos atuais defendem o uso da palavra fascismo para definir governos autoritários, mas que não são fascistas como definição.

O poder da linguagem

Como ensina o linguista francês Patrick Charaudeau, “a linguagem é um poder, talvez o primeiro poder do homem”. Por isso, é natural que as palavras estejam em disputa pelos discursos. Os significados das palavras são instáveis e são os discursos que as reatualizam ao imprimir nelas significação. Conhecer a sua história e os seus usos é uma forma de entender como elas são disputadas e postas em cena.

Para ser um antifascista, seria prudente retomar aquele questionamento que o filósofo Michel Foucault fez no prefácio da obra Anti-Édipo, de Gilles Deleuze e Félix Guattari:

“Como fazer para não se tornar fascista mesmo quando (sobretudo quando) se acredita ser um militante revolucionário? Como liberar nosso discurso e nossos atos, nossos corações e nossos prazeres do fascismo? Como expulsar o fascismo que está incrustado em nosso comportamento?”.

Antifascistas, defendam a democracia

O uso das palavras fascismo e fascista está tão fora dos contextos histórico, filosófico e político a que fazem parte, que ninguém mais sabe o que está falando.

Muitas pessoas que hoje são chamadas de fascistas, são, na verdade, liberais defendendo a democracia e a liberdade de expressão. Simples assim!

Então, que assim seja! Chamem de fascistas os políticos e as pessoas que vocês repulsam, mas não sem antes saberem o significado e a origem desses termos.

Para finalizar, se ainda não ficou claro, assista ao vídeo do filósofo Luiz Felipe Pondé que resume bem a questão:

Fontes:

  1. Wikipedia
  2. BBC – o que é Fascismo
  3. BBC – 100 anos de Fascismo

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Daia Florios

Cursou Ecologia na UNESP, formou-se em Direito pela UNIMEP. Estudante de Psicanálise. Fundadora e redatora-chefe de greenMe.


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