O tema é… Apropriação cultural: o que você acha de vestir-se de índio no carnaval?


A atriz Alessandra Negrini recebeu uma saraivada de críticas ao usar uma fantasia com a temática indígena no carnaval de São Paulo, no último domingo.

Foi com um body preto, cocar e pinturas corporais que a madrinha do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta desfilou. Este ano, o bloco teve como tema “Viva a Resistência” e prestou uma homenagem à cantora Elza Soares.

Por causa da fantasia em referência aos povos indígenas, não foram poupadas críticas a Negrini, nas redes sociais, que a acusaram de apropriação cultural.

Afinal, o que é apropriação cultural?

Apropriação cultural é uma expressão do vocabulário das Ciências Sociais que designa ações que se apropriam de símbolos culturais de uma determinada cultura, esvaziando-os de sentido ao serem deslocados para um fim mercantilista ou para invisibilizá-la.

A socióloga Nina Fola explicou ao GaúchaZH que se trata de mais uma estratégia do capitalismo:

“Ela (a apropriação cultural) esvazia de sentido uma etnia, sua cultura e suas práticas com o propósito de mercantilização. Enquanto o usuário nativo daquela cultura, vestimenta ou o integrante de determinada etnia permanece invisibilizado e minorizado na sociedade, o branco, que é quem está no topo da pirâmide social, se beneficia, se torna cool ou cult quando a utiliza. Os símbolos e atores são embranquecidos para tornar aquilo aceito e comercial”.

Quem não se lembra da polêmica em torno do uso do turbante há alguns anos? Trata-se da mesma questão. O acessório comercializado em lojas de departamento é um símbolo para as religiões de matriz africana que significa proteção para a cabeça, um elemento sagrado.

Especificamente em relação à fantasia de Alessandra Negrini, é preciso entender que não se trata de apropriação cultural, visto que, fora do universo carnavalesco, a atriz – não que se saiba – faz uso de símbolos indígenas para promoção pessoal. O que ela teria feito, do ponto de vista sociológico, foi usar uma fantasia num contexto no qual a crítica é permitida para chamar a atenção para a causa indígena no Brasil, que tanto vem sendo ameaçada.

Fola explica que, em sua vida pública, Negrini não assume uma identidade indígena:

“Ela nunca se colocou como tal. No dia a dia, ela não se posicionou na luta antirracista, ela fez uso de elementos dessa cultura como adereço e para se autopromover, para ganhar visibilidade em uma época marcada pelas festividades. Ao final do desfile, ela tirou o cocar e as pinturas e voltou a ser branca, mas os indígenas não se despem de sua identidade, inclusive, eles são alvo de racismo e vítimas de homicídio por isso”.

Nesse sentido, a socióloga ilustra outras formas, além do uso de uma fantasia, para dar visibilidade à causa indígena que podem ser mais eficazes, como: declarações sobre o tema de forma mais contundente, auxiliar na arrecadação de dinheiro para os coletivos indígenas, combater falas e atitudes racistas contra indígenas nos locais de poder que Alessandra ocupa, por ser uma figura pública e popular.

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Entretanto, a própria Associação Brasileira dos Povos Indígenas (Abip) saiu em defesa da atriz em uma nota oficial:

“Por isso, causa-nos indignação que uma aliada seja atacada por se juntar a nós em um protesto. Alessandra Negrini colocou seu corpo e sua voz a serviço de uma das causas mais urgentes. Fez uso de uma pintura feita por um artista indígena para visibilizar o nosso movimento. Sua construção foi cuidadosa e permanentemente dialógica, compreendendo que a luta indígena é coletiva”.

A nota da Abip ressalta, ainda, que a atriz tem sido uma importante aliada dos povos indígenas brasileiros:

“Alessandra Negrini é ativista, além de artista, e faz parte do Movimento 342 Artes, que muito vem contribuindo com o movimento indígena. Esteve conosco em momentos fundamentais. Portanto, ela conta com o nosso respeito e agradecimento. E assim será, sempre quem estiver ao nosso lado”.

Negrini explicou que a motivação da sua fantasia é devido à causa indígena ser, hoje, “central no país” e, por isso, devemos, sim, apropriar-nos dela:

 “A gente tem que repensar isso. Os indígenas estão sendo mortos, são vítimas de um genocídio. E estão falando da minha fantasia, de apropriação cultural? É ridículo. A própria Sonia [Guajajara, líder e ativista] me disse que temos que ajudar a dar visibilidade ao que está ocorrendo [com os indígenas]. A gente tem que se apropriar, sim, da luta dos povos originários para se apropriar do nosso Brasil.”

Vale destacar que a fantasia da atriz estava em consonância com o tema do bloco em que desfilou. O que ela fez, com o apoio e o consentimento de vários indígenas, entre eles Sônia Guajajara, que também participou da festividade, foi colocar no slogan “resistência” a questão indígena.

Fantasia do bem

Como, então, ser irreverente e fazer críticas políticas neste carnaval ou, simplesmente, usar uma fantasia bonita e confortável para aguentar a folia?

A ocasião é mesmo um momento para subverter, para criticar e ironizar o status quo. Entretanto, é preciso ter respeito ao apropriar-se de certos símbolos.

Chamar a atenção para as ameaças que os povos indígenas estão sofrendo pode ser uma maneira de dar um tom político ao carnaval. Mas de nada adianta você usar uma fantasia com penas e plumas de animais se uma das questões levantadas pela causa é a luta ambiental e o respeito à natureza.

O carnaval é um momento em que a criatividade está liberada para a irreverência, para a crítica social. E, no Brasil contemporâneo, não faltam boas pautas para serem levadas para a folia, sempre de forma respeitosa, claro.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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