Manoel de Barros: o poeta que ressignifica as coisas pequenas


“O rio cortava a tarde pelo meio”. É com o corte da palavra que Manoel de Barros, poeta mato-grossense, nos mostra que natureza e cultura não são dois entes que se separam, mas que se autossustentam e devem ser celebradas de mãos dadas.

Manoel de Barros, que nos deixou em 2014, foi um dos expoentes do nosso modernismo, em um movimento chamado Geração de 45, por ter criado um universo poético muito particular, cuja paisagem é habitada por construções que subvertem as normas da variedade padrão da língua portuguesa em uma inventividade cheia de neologismos e sinestesias. Embora tenha sido reconhecido na década de 1980 no Brasil, hoje é um dos poetas brasileiros mais lidos em Portugal, Espanha e França.

Conectado com a natureza, Manoel de Barros trabalhou com a terra e com a língua. Ao mesmo tempo em que criava gado, arava a poesia. Isso serviu de inspiração para incorporar à sua escrita um vocabulário muito coloquial e rural, levando para a escrita as características da oralidade, ampliando as possibilidades expressivas e comunicativas da língua portuguesa. Por isso, a sua obra é muito comparada à de Guimarães Rosa.

Manoel de Barros, com a sua poesia, fez visível as insignificâncias, isto é, fez grande aquilo que é (ou parece ser) invisível. Como explica Carlos Eduardo Brefore Pinheiro, que escreveu uma tese de doutorado pela Universidade de São Paulo (USP) sobre a obra do poeta, Manoel de Barros preocupava-se com os temas da infância, tempo/espaço idealizado, os seres do ambiente pantaneiro e com a própria poesia. Em sua tese, o acadêmico procurou “demonstrar que entre (a) passado e (b) presente existe a intenção de um resgate (no plano da criação literária) – uma infância utópica que é rememorada em função de um projeto estético que se alicerça como um processo paradoxal de volta às origens dos seres, das coisas e da própria linguagem. Além disso, entre (c) grandioso e (d) ínfimo existe uma intenção de valoração – o ínfimo é evidenciado e valorado em função de uma ligação, direta ou indireta, com elementos que são em si mesmos grandiosos, ou que induzam a tal pensamento”, explica.

Manoel de Barros significou em sua poesia como a relação entre os seres humanos e a natureza é construída pela linguagem e pelo cosmos. Alguns livros seus de destaque são: “Poemas concebidos sem pecado” (1937), “O livro das ignorãças” (1993), “Livro sobre nada “(1996), “Retrato do artista quando coisa” (1998). Leia um trecho de um poema do livro “Retrato do artista quando coisa”:

A maior riqueza

do homem

é sua incompletude.

Nesse ponto

sou abastado.

Palavras que me aceitam

como sou

– eu não aceito.

Não aguento ser apenas

um sujeito que abre

portas, que puxa

válvulas, que olha o

relógio, que compra pão

às 6 da tarde, que vai

lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.

Perdoai. Mas eu

preciso ser Outros.

Eu penso

renovar o homem

usando borboletas.

Você ainda pode conhecer mais do poeta no documentário Só dez por cento é mentira, disponível no Youtube.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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