É possível evitar enchentes criando cidades-esponjas? 


A água que é essencial para a vida humana, é também responsável por algumas tragédias naturais. Inundações e secas são dois extremos climáticos que estão se tornando cada vez mais comuns. O crescimento acelerado dos centros urbanos, as construções irregulares e a interferência humana como um todo provam que há um preço a ser pago por tudo isso, e muitas vezes ele é muito alto.

As tecnologias atuais para controle da água ou para abastecimento de regiões secas ainda não são suficientes. O problema parece crescer cada dia mais com episódios de cidades inteiras arrastadas pela correnteza, enquanto em outras regiões pessoas vivem com o mínimo de água. Nesse sentido, surge um novo conceito: o de cidades-esponjas.

Imitar a natureza ao máximo possível

A ideia por trás do conceito, que foi criado na China, é a seguinte: deixar a água ser água e permitir que ela interaja com a terra. As soluções, nesse caso, são baseadas em trabalhar ou simular sistemas naturais, oferecendo benefícios, além da redução de enchentes e secas.

Por trás do conceito há também a preocupação em lidar com o declínio dramático das espécies animais, adaptar-se às mudanças climáticas ou mesmo retardar a sua progressão, proteger a biodiversidade e armazenar dióxido de carbono: tudo isso como parte integrante de sistemas naturais saudáveis.

A ideia da cidade-esponja é imitar ao máximo a natureza. Na China, a iniciativa visa tornar as regiões urbanas mais capazes de absorver a chuva e liberá-la quando necessário.

Para proporcionar à natureza algo tão singular entram em cena os “Detetives da Água”: ecologistas de restauração, hidrogeólogos, biólogos, antropólogos, arquitetos paisagistas, planejadores urbanos e engenheiros.

O objetivo deles é entender o que a água quer? Por que algumas áreas inundam tão facilmente, enquanto em outras falta água?

Entre as respostas que eles estão encontrando é a de que as pessoas devem se mobilizar para conservar ou reparar sistemas naturais, ou mesmo imitar a natureza, e não construir infraestruturas mais concretas.

Saem de cena, então, as imponentes barragens para dar lugar a um sistema baseado na natureza.

Seguindo a água

Para amparar e entender como permitir que a água siga seu fluxo, de forma mais natural possível existem também algumas inovações na forma de pensar a água, como é o caso do Movimento Slow Water, que chama a atenção para as maneiras pelas quais a velocidade da água para fora da terra pode ser uma grande fonte de problemas. Dessa forma, o grande objetivo é restaurar as fases lentas naturais apoiando a disponibilidade local, controle de enchentes, armazenamento de carbono e diversas formas de vida.

No caso da escassez de água, a atual forma de “resolver” a questão encontra uma série de problemas: trazer água de outros lugares, que é geralmente o mais comum, nesses casos, é algo que gera um alto gasto de energia, pode esgotar o ecossistema e trazer espécies invasoras para o local emissor, além de deixar as populações vulneráveis à queda no suprimento – e menos conscientes também, tendo em vista a falsa sensação de segurança que existe em ter um reservatório originado em outro lugar.

Como em muitas tradições indígenas, enxergar a água como um semelhante, sem tentar controlá-la, mas respeitando seu curso, está por trás do Movimento e do cerne do trabalho dos “Detetives da Água”.

China, pioneira das cidades-esponjas

O fato do conceito de “cidades-esponjas” ter começado na China não é à toa.

O país enfrentou nos últimos 40 anos uma urbanização intensa, saltando de 20% de população urbana, em 1980, para 64% em 2020. Nesse processo, muitas florestas foram derrubadas, rios canalizados, e planícies aluviais, pavimentadas. O resultado foi um aumento nas inundações, como no caso da maior tempestade em 60 anos, ocorrida em Pequim, no ano de 2012. Na ocasião, morreram 79 pessoas, e os danos foram da ordem de mais de 2 bilhões de dólares.

O arquiteto paisagista Yu Kongjian, que está a frente do movimento Slow Water já havia alertado o governo sobre os riscos.

“A enchente de 2012 nos ensinou a lição de que o padrão de segurança ecológica é uma questão de vida e morte”, disse ao The Guardian.

Além do excesso, tem também a falta. A cidade de Pequim, por exemplo, é uma região bastante seca. Durante décadas, houve bombeamento de águas subterrâneas para abastecer a população. Porém isso fez os lenços freáticos baixarem em cerca 1 metro a cada ano. O resultado foi que o solo está afundando cada vez mais.

Tendo em vista as dificuldades, o governo tem demandado estudos sobre cidades-esponjas.

O que é cidade-esponja?

Contrariando a tendência vigente atualmente, a ideia das cidades-esponjas é procurar lugares em todas as áreas urbanas para que a água afunde no solo, evitando assim potenciais inundações. Para isso é possível, por exemplo, converter antigas áreas industriais ao lado de rios em parques e cortar o pavimento para abrir caminho para canais de escoamento alinhados com plantas que gostam de água, lagoas e infiltração e poços de infiltração.

No ano de 2015, o governo iniciou o projeto em 16 cidades, e adicionou mais 14 em 2016. O objetivo era reduzir inundações urbanas, reter água para uso futuro, diminuir a poluição e melhorar os ecossistemas naturais.

A meta era, até 2020, fazer com que cada projeto retivesse 70% da precipitação média anual local. O governo diz que conseguiu cumprir a meta, mas novas inundações atingiram também cidades-piloto, como Zhengzhou.

Apesar da escala ambiciosa, foi ineficiente.

O comportamento da água

De todo modo, os “Detetives da água” estão empenhados em descobrir, especialmente, o que a água fazia antes da cidade tomar conta do local e que está fazendo agora, com os novos limites impostos a ela.

Para isso, os pesquisadores usam ferramentas, como mapeamento espacial para que compreender sistemas complexos e os desafios relacionados. Além disso, eles traçam a topografia, os altos e baixos da paisagem, estudam o tipo de solo, a forma como a água é drenada, a vegetação, o escoamento e evaporação das plantas para o ar. A equipe modela ainda dados históricos ecológicos, informações sobre a população local, economia e transporte.

Todas essas variáveis ajudam os “Detetives da água” a verificarem como um determinado fator impacta no comportamento da água. Quando esses mapas de paisagem estão completos, os estudiosos enviam inundações de teste por meio do modelo digital criado. Assim eles conseguem identificar pontos de aperto onde a água é restringida e inundará. Posteriormente, eles ajustam a topografia ou adicionam um pântano ou lagoa para ver como cada um afeta o comportamento das águas.

A busca por cidades-esponjas pode ser uma opção interessante, mas é preciso entender bem as especificidades de cada lugar, como, no caso da China, que tem cidades com necessidades opostas relacionadas à água.

A implementação de todos esses projetos demanda tempo, algo que os governos parecem não gostar muito de lidar. É necessário ainda monitorar e ajustar, lembrando que uma infraestrutura verde requer manutenção, como poda e substituição de plantas. E tudo isso significa mudar uma cultura consolidada que se acostumou a investir em barragens, concreto e contenção da água.

Embora a China possa tornar-se líder em cidades-esponjas, o caminho é longo. Enquanto isso, a água seguirá seu curso, para o bem ou para o mal.

Esse texto é baseado em uma longa reportagem do The Guardian. Acesse aqui o material de pesquisa.

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Daia Florios

Cursou Ecologia na UNESP, formou-se em Direito pela UNIMEP. Estudante de Psicanálise. Fundadora e redatora-chefe de greenMe.


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