Por que o coronavírus aterroriza enquanto a crise climática preocupa pouco ou quase nada?


O coronavírus chegou recentemente a mais um país europeu, a Itália, provocando uma mobilização semelhante às que têm sido observadas em outras partes do mundo: cidades isoladas, escolas fechadas, eventos cancelados e estabelecimento de protocolos de emergência. Em meio ao clima de pânico, a revista La Stampa publicou um artigo sobre como nasce a nossa percepção de risco, buscando elencar os fatores que levam as pessoas a ficarem aterrorizadas com a ameaça do coronavírus e apáticas quando se trata da emergência climática.

A questão foi abordada com números, com o objetivo de se demonstrar que dados objetivos não são suficientes para despertar o sentido urgência.

“Globalmente, a comunidade médico-científica trabalha para encontrar uma cura, o Fundo Monetário revisou suas estimativas de crescimento para baixo, máscaras surgiram em todos os lugares e se iniciou uma mobilização que tem poucos precedentes na história”, diz o artigo.

Tudo isso em pouco mais de um mês e depois de quase 2500 mortes. No entanto, destaca a matéria, segundo o Climate Index Risk, nos últimos 20 anos, os fenômenos climáticos extremos agravados pelas mudanças climáticas fizeram meio milhão de vítimas em todo o mundo.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a estimativa é que, entre 2030 e 2050, a crise ambiental resultará em 250 mil vítimas por ano.

Na mesma Itália, que agora se apavora com o novo coronavírus, cerca de 80 mil pessoas morrem anualmente devido problemas de saúde relacionados à poluição do ar. Em termos econômicos, as projeções dos pesquisadores do IPCC apontam para um cenário apocalíptico, com perdas até 2100, causadas pela emergência climática, que variam entre 8,1 e 15 trilhões de dólares.

(Sem) noção de risco

Apesar das previsões sombrias, os governos no mundo inteiro ainda não adotaram medidas eficazes para mitigar a crise. Por quê? De acordo com alguns especialistas, a explicação está na forma como a nossa noção de risco é construída socialmente, para a qual importam mais questões subjetivas complexas do que dados concretos, bem como experiências e crenças pessoais.

“Racionalmente todos sabemos que voar é mais seguro do que dirigir, mas todos temos mais medo de voar do que sentar ao volante”, explica Giovanni Carrosio, sociólogo ambiental da Universidade de Trieste.

Um outro fator que influencia no sentido de urgência é a proximidade dos eventos em termos de espaço e tempo.

A epidemia de coronavírus se desenvolve em uma escala de tempo curta e respeita os períodos de atenção típicos, enquanto as mudanças climáticas variam em uma escala de tempo mais longa. Falando em espaços, a epidemia tem seu lugar: cidades, hospitais, um navio em quarentena, enquanto a crise em nosso planeta não se desenvolve necessariamente sob nossos olhos “, argumenta Marco Bagliani, professor de Mudanças Climáticas, Instrumentos e Políticas da Universidade de Turim.

Para Bagliani, o nível de engajamento das pessoas também entra na equação e é maior se o sacrifício exigido se refere a um período curto de tempo:

 “Envolver-se para interromper o vírus envolve um sacrifício de curto prazo (limitar viagens, usar máscaras). Tentar combater as mudanças climáticas, em vez disso, significa rever estilos de vida para sempre”, defende.

4 motivos que explicam o porquê da demora em agir

Em sintonia com os argumentos dos especialistas italianos, Pedro Calabrez, diretor da NeuroVox e professor da ESPM, elenca os quatro elementos que podem estar por trás da falta de ações quando o assunto é o meio ambiente. Tais elementos, segundo ele, precisam estar na mente de gestores, públicos e privados, em posições de liderança, responsáveis por conscientizar a população.

A crise climática não é suficientemente presente para gerar ação

Segundo Calabrez, para que haja mobilização, a questão precisa ser presente, pois somos bons em atacar emergências, em remediar, mas péssimos em prevenir. A explicação seria que o cérebro humano evoluiu na Savana Africana, há dois milhões de anos, em um contexto em que inexistia a noção de futuro ou a ideia de estabelecer prioridades para daqui a uma ou duas décadas. As prioridades imediatas eram sobreviver e alimentar a prole. Hoje, ainda carregamos esse cérebro que não se preocupa com questões futuras tanto quanto questões presentes.

A questão ambiental não tem rosto

Não há alguém ou um grupo de seres humanos por trás dela. Se um grupo ou um país fosse responsável pela devastação ambiental, já teria havido algum tipo de mobilização para, por exemplo, invadir o país responsável, argumenta. Por não ter rosto, nós não sentimos a ameaça.

A devastação do meio ambiente não nos ofende moralmente

E se não produz emoções morais, não sentimos, logo, não agimos. Calabrez chega a fazer uma comparação absurda para demonstrar o quanto esse sentido de prioridade funciona por parâmetros que não passam por critérios racionais e envolvem questões subjetivas e crenças pessoais:

“Se a devastação ambiental estivesse sendo causada pelo casamento homossexual ou pelo aborto, se o aborto causasse devastação do meio ambiente, é bem provável que a devastação do meio ambiente estivesse sendo atacada muito mais do que está sendo hoje”, defende.

Devastação em ritmo lento

Por fim, as mudanças estariam acontecendo em um ritmo devagar.

 “Os seres humanos têm um cérebro que percebe muito bem mudanças que ocorrem rapidamente”, explica Calabrez.

Essa seria uma razão que explicaria por que o fumante demora tanto a parar de fumar, uma vez que o dano ocorre ao longo de muitos anos. Com o meio ambiente, é um pouco de cada vez e, por conta disso, o nosso cérebro não consegue perceber com grande saliência a diferença a cada dia.

Se são tanto os entraves que dificultam um engajamento efetivo, como a questão deveria ser comunicada e de que maneira mobilizar a todos, população e governos?

Há esperança

Giovanni Carrosio diz que não há uma receita, mas uma pista seria anunciar que há esperança.

“Talvez o melhor método seja chegar a uma síntese: para induzir ação, devemos dizer que há esperança e, ao mesmo tempo, ser determinados na exigência de ações concretas […] O compromisso das pessoas será mais sintonizado em nível social, [haverá] menos batalhas isoladas e objetivos mais comuns em defesa das questões mais necessárias”.

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Gisele Maia

Jornalista e mestre em Ciência da Religião. Tem 18 anos de experiência em produção de conteúdo multimídia. Coordenou diversos projetos de Educação, Meio Ambiente e Divulgação Científica.


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