1º de maio: como serão as relações trabalhistas num mundo pós-pandemia?


Com a chegada da pandemia do novo coronavírus, a configuração das relações trabalhistas imposta pela fase atual do capitalismo deixou escancarada a fragilidade dessas relações e a acentuação das desigualdades sociais.

Aquele mundo onde havia alguma segurança – mesmo que mínima – garantida por leis trabalhistas está em ruínas e apenas uma parcela bem pequena da população mundial ainda está agarrada aos seus escombros.

Uma história diferente

O 1º de maio, Dia Internacional do Trabalho, foi estabelecido em um estágio do capitalismo bem diferente do atual. Em 1889, a Segunda Internacional Socialista, em um congresso realizado em Paris que reuniu os partidos socialistas e sindicatos de toda a Europa, instituiu a data para homenagear operários dos Estados Unidos que haviam, três anos, organizado uma campanha por melhores condições de trabalho através de greves que paralisaram todo o país.

À época, uma das reivindicações era a garantia de uma jornada de trabalho de oito horas diárias, visto que os operários dedicavam 14 horas de seu dia ao trabalho. Hoje, parece que estamos vivendo de certa maneira aqueles tempos: poucas garantias e extenuantes jornadas de trabalho. Quantas pessoas não trabalham, nos dias atuais, 14 horas diárias ou mais sem qualquer direito trabalhista?

Como evitar uma maior degradação das relações de trabalho em um cenário cuja previsão dos economistas é de recessão pós-pandemia?

Todos os países do mundo sofrerão os danos sociais e econômicos causados por meses de suspensão das atividades que fazem a roda do mundo girar. As saídas para o enfrentamento dessa crise terão de ser encontradas tanto global quanto localmente, de acordo com a realidade de cada país e do novo mundo.

Ecossocialismo

Alguns setores têm sido mais afetados economicamente do que outros, que podem lançar mão de estratégias criativas e inovadoras para enfrentar as perdas financeiras e sociais. A Organização Mundial do Trabalho (OMT) prevê que 25 milhões de postos de trabalho serão arrasados pela pandemia.

De acordo com a Revista Anfibia, estamos em uma “encruzilhada civilizatória”, pois estão em xeque a nossa vulnerabilidade social e a nossa condição humana. A saída apontada parece ser apenas uma: uma reconfiguração integral que engloba as dimensões social, sanitária, econômica e ecológica.

A proposta dada por Maristella Svampa e Enrique Viale Así, na publicação da revista, é que os Estados sejam capazes de superar a crise colocando em marcha um Green New Deal, ou Grande Pacto Ecossocial e Econômico, que transformaria as economias de forma a salvar o planeta em prol de sociedades mais justas e igualitárias.

Um dos riscos que muitas analistas têm apontado num cenário pós-pandemia é que, em busca de reaver as suas perdas, a economia atue em uma cruzada contra o meio ambiente, acentuando as desigualdades entre o Norte e o Sul global e a crise climática.

Os dois especialistas sugerem uma espécie de revolução baseada em cinco eixos fundamentais:

  • um ingresso universal cidadão;
  • uma reforma tributária progressiva;
  • a suspensão do pagamento da dívida externa;
  • um sistema nacional de cidadãos;
  • uma transição socioecológica.

Esse debate já havia sido iniciado bem antes da chegada da pandemia. O filósofo franco-brasileiro Michel Löwy e outros intelectuais já vêm, há algum tempo, falando não mais em crise, mas sim em uma catástrofe do nosso estágio civilizatório e advogando, pois, por um ecossocialismo.

O ecossocialismo propõe a real fusão entre “ecossistema” e “socialismo”, isto é, o socialismo como um projeto que visa à emancipação humana através da partilha de riquezas, consideradas como um bem comum e não como uma forma de crescimento infinito.

Automação

Há quem veja a tendência do home office como uma grande aliada à questão climática e econômica. A questão é que a automação dos trabalhos se desenvolve em alguns cenários, e os países do Sul global estão hoje em menores condições de aderir a eles.

O capitalismo parece mesmo não ter limites. Como colocá-los em pequenas atividades como  a agricultura familiar, primando pelo retorno à produção local e orgânica – só para pensarmos em um exemplo? Estamos preparados para mais automação das atividades, ainda que saibamos que, em muitos casos, isso representaria mais desemprego, mais fragilidade social e, portanto, menos qualidade de vida? Por outro lado, a automação, que é a responsável pelo fim de vários tipos de funções, também aumenta a produtividade e o bem-estar em várias âmbitos, como, por exemplo, o da saúde.

Não existem respostas prontas nem cenários definidos, como a engenharia computacional pode simular. Essas discussões, que também passam pelo campo da ética, só podem ser construídas coletivamente através de um debate franco sobre que tipo de sociedade e de mundo queremos (con)viver.

A pandemia da Covid-19 nos colocou diante de vários incômodos, e esse é um deles. Antes da pandemia, embora esse desconforto já existisse, ele estava sendo empurrado para debaixo do tapete. Todavia, agora, ele está escancarado e negá-lo só vai provocar o que acontece quando não enfrentamos um problema: em algum momento ele nos engole.

Havendo estas questões em mente, façamos um passo pra trás e outro pra frente. Lembremos da história do 1° de maio do começo deste artigo e pensemos num futuro melhor para todos. Sejamos o motor de uma mudança que abrace a ecologia, a justiça, a ética e todas as outras questões sociais necessárias para fundamentar um mundo menos desigual, e mais solidário.

Feliz 1° de maio!




Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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