Jejum de dopamina: zero sexo, álcool e redes sociais para reiniciar o cérebro


Chega de álcool, sexo e redes sociais: a nova moda de “reiniciar” o cérebro.

Os jovens do Vale do Silício, o maior polo tecnológico do mundo, já foram responsáveis por lançar várias modas. A maioria delas tem o intuito de manter a alta produtividade desses profissionais que fizeram brotar uma geração de hispters.

Na lista dos modismos que viraram tendência estão o jejum intermitente e beber água da chuva sem tratamento. Os gurus geeks do Vale do Silício ditam moda e muita gente “segue o bonde” de forma acrítica, acreditando que os mestres do hi-tech devem estar fazendo a coisa certa.

Entretanto, é preciso ter os olhos bem abertos a qualquer novidade vendida como pílula da felicidade, como a que vem sendo experimentada por esses executivos bem-sucedidos: evitar o álcool, o sexo, as redes sociais e até a comida – ou seja, tudo o que pode provocar prazer.

Zero dopamina

O objetivo dessa prática, que na verdade não é nova, é não estressar o cérebro, a fim de aumentar o seu nível de produtividade.

Desde a Grécia Clássica, o tema do prazer é discutido pela humanidade – os hedonistas cultuavam o prazer como forma de evitar a dor; os epicuristas o apreciavam com moderação; e os estoicistas consideravam-no um vício. Segundo o site Estoico, na carta 59, Sêneca trata da diferença entre prazer e alegria, considerando aquele um vício, derivado de algo externo ao ser humano, enquanto a alegria emana de seu interior.

Os jovens cool do Vale do Silício não estão muito interessados na questão moral que rondava as preocupações dos filósofos gregos. Eles são bem mais pragmáticos e imediatistas: estão pondo em prática o jejum de dopamina.

A dopamina é um neurotransmissor responsável por executar várias tarefas relacionadas à memória, à motivação, à recompensa, ao aprendizado, à atenção e aos estados de alerta, explica a neurocientista Raquel Marín, professora de Fisiologia da Universidade de La Laguna, em Tenerife (Espanha), ao El Pais.

Ela é liberada pelo cérebro quando sentimos alguma sensação de prazer e bem-estar, como comer, ler um livro, fazer sexo, estar apaixonado, tomar um vinho, etc. A dopamina, por isso, durante vários anos, foi tratada como o hormônio do prazer. Agora sabe-se que ela é o neurotransmissor do desejo e da motivação.

Por essa razão, o jejum da dopamina está sendo praticado pela turma da Califórnia com o intuito de reiniciar o cérebro. A prática foi desenvolvida pelo psicólogo e investidor em tecnologia Cameron Sepah a partir do princípio de que reiniciando a “máquina cerebral” aumentamos a sua eficiência – tal qual como fazemos com o nosso computador quando ele trava. Liberando-nos de certos vícios, poderíamos alcançar melhor nossas metas de produtividade.

Será que isso é benéfico?

Uma questão que surge é: a rotina e a correria do dia a dia, às vezes, já nos impedem de termos atividades prazerosas justamente porque precisamos bater as tais metas de produtividade, logo qual seria a vantagem de nos tolhermos ainda mais e evitar algo que nos faça bem, como tomar um vinho, comer um pedaço de chocolate, encontrar um amigo ou transar? Uma coisa é abusar do prazer; outra é renunciá-lo para entrar em uma lógica de produtividade que exige um preço muito alto de profissionais, sobretudo, aqueles que trabalham no mercado corporativo.

De acordo com os especialistas consultados por El Pais, a proposta do jejum de dopamina é um tipo de estratégia para evitar distrações com o que pode provocar prazer para dar direcionamento a atividades “mais produtivas”, uma espécie de “detox”.

Para Ignacio Morgado, professor de Psicobiologia no Instituto de Neurociências da Universidade Autônoma de Barcelona, a ideia do jejum de dopamina não é ruim, em casos de pessoas altamente dependentes, por exemplo, em redes sociais.

“Não é um tratamento terapêutico para qualquer pessoa, reduzi-la só é bom em casos de excesso exacerbado de algo prejudicial para o organismo e que o impede de levar uma vida normal”, pontua o especialista.

Essa consideração explica a relação da dopamina com a dependência química, visto que o cérebro exige uma recompensa com o prazer. Se não satisfeito, o órgão produz uma sensação de inquietação e estresse.

Já o diretor da seção de Neurociência Cognitiva do Centro de Evolução e Comportamento Humano da Universidade Complutense de Madri, Manuel Martín-Loeches, alerta sobre o perigo do jejum de dopamina:

“não há como restaurar algo que está em constante mudança desde antes do nascimento, como é o caso do cérebro. Se restringirmos a dopamina com o jejum, ocorrerá algo semelhante aos efeitos a longo prazo de um vício: falta de satisfação, que costuma levar à depressão”.

Jejuar ou não jejuar?

Se uma pessoa passar grande parte do dia conectada às suas redes sociais, talvez seja uma boa estratégia um jejum de dopamina para essa finalidade, a fim de que essas horas possam ser compartilhadas com outras atividades prazerosas, como ler um livro, estar em companhia de um amigo, estudar, ver um filme.

Há casos concretos de pessoas viciadas em diversas substâncias nocivas à saúde, física e mental. Para elas, o que Marín chama de “pseudo jejum de dopamina” pode ser uma boa alternativa.

Reduzir o horário de conexão com as redes sociais, eliminar o consumo de drogas ou mudar a dieta com diretrizes mais saudáveis ​​é altamente recomendado para uma melhor saúde do cérebro, maior concentração, um melhor senso de recompensa contra limites mais baixos de estímulos e um melhor senso de autoestima. Mas, por si só, a decisão de adotar esse pseudo jejum de dopamina também estimula a produção de dopamina”, explica ela no livro Pon en Forma tu Cerebro (Editora Rock, sem tradução).

Enfim, caso você sinta que anda exagerando em alguma dose, o melhor é, antes de submeter-se às modas lançadas no hemisfério norte, procurar um especialista que possa realmente ajudá-lo a enfrentar os seus vícios e ansiedades.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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