Paraisópolis: erro operacional grave não. Genocídio sim


Vidas negras importam? A frase, que é usada pelos coletivos negros na afirmativa, não é apenas uma reivindicação, mas uma exigência de legitimidade da existência das pessoas negras em um país onde a violência direcionada a esse grupo ainda persiste.

No Brasil, ser negro não é apenas um ato de resistência ao racismo, à discriminação, a menores salários e oportunidades; é, também, viver com a corda no pescoço, pois é um risco à própria vida.

Os riscos de ser negro no Brasil

A população negra é a principal vítima de homicídios no país: ela tem 2,7 mais chances de ser assassinada do que a população branca. É o que mostra o estudo “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil” do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A analista de indicadores sociais do IBGE, Luanda Botelho, explicou à Exame que a taxa de homicídio de pretos e pardos aumentou em todas as faixas etárias, entre 2012 e 2017, enquanto a violência contra pessoas brancas se manteve constante. Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde revelaram que 255 mil mortes de pessoas negras por assassinato ocorreram durante o período de seis anos analisado.

As mortes em Paraisópolis

Esse quadro precisa ser considerado ao analisar as mortes de nove jovens na favela de Paraisópolis, a segunda maior de São Paulo e a quinta maior do Brasil, segundo dados do G1. No cenário social de Paraisópolis habitam 100 mil habitantes, 12 mil deles analfabetos ou semianalfabetos, 31% são jovens entre 15 e 29 anos, 42% das famílias são lideradas por mulheres e renda média familiar é de até 3 salários mínimos.

Para além dos efeitos emocionais manipulados pelos noticiários, é preciso considerar que as mortes dos nove jovens, com idades entre 14 e 23 anos, em um baile funk em Paraisópolis talvez não tenham sido acidentais. Elas fazem parte de uma estrutura construída para matar vidas negras. A constatação pode parecer exagerada e até inverossímil para muita gente, mas enquanto isso não for compreendido pela sociedade brasileira, pessoas negras continuarão sendo assassinadas e não terão seus direitos sociais garantidos.

A versão da Polícia Militar do estado de São Paulo é de que os jovens morreram por pisoteamento, o que foi contestado por familiares das vítimas, sobretudo, após um laudo revelar que duas delas morreram por asfixia, de acordo com o R7.

Investigação

O fato está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa e, também, pela Corregedoria da Polícia Militar para apurar uma possível conduta irregular dos agentes militares, os quais não foram afastados de suas funções.

O governador de São Paulo, João Doria, defendeu a atuação policial, alegando que:

“A letalidade não foi provocada pela PM, e sim por bandidos que invadiram a área onde estava acontecendo baile funk. É preciso ter muito cuidado para não inverter o processo”.

Cerca de cem entidades dos movimentos negros do país se reuniram para convocar atos de protesto pelas mortes dos jovens de Paraisópolis. Várias manifestações deram o tom da fala: “o massacre de Paraisópolis não foi acidente. Foi genocídio!”. Na comunidade também estão sendo organizados vários atos de protesto pela Coalização Negra por Direitos. A Carta Capital divulgou a fala de um dos membros do grupo, Bianca Santana, nas redes sociais:

Exigimos investigação imediata e isenta dos assassinatos em Paraisópolis, além de proteção a familiares e testemunhas do caso. É dever do Estado garantir segurança e proteção a todas as pessoas, e inaceitável que provoque, também com repressão e criminalização aos bailes funks”.

O que aconteceu em Paraisópolis

Na madrugada de domingo, 1°, em perseguição a homens armados, a Polícia Militar invadiu o Baile da 17 [rua onde acontece o baile funk],  em uma ação que culminou na morte de nove jovens pisoteados durante a confusão.

A versão oficial diz que os suspeitos atiraram contra a polícia mas ao Ponte, um morador da comunidade contou que “foi uma das piores ações da PM na favela”. A rua 17 é uma encruzilhada e os PMs teriam chegado pelos quatro cantos, não tendo para onde correr. 

As versões divergentes entre a polícia militar e os frequentadores do Baile da 17 motivou o Ministério Público de São Paulo a investigar o caso para realizar “a mediação entre os frequentadores dos bailes funk, os moradores dos locais onde se realizam as festas e as autoridades”.

Enquanto isso, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse nessa quarta-feira (4) que, “aparentemente”, houve um “erro operacional grave” da Polícia Militar de São Paulo, que ocasionou a morte dos nove jovens, de acordo com o G1:

“Neste caso em São Paulo, com todo respeito à polícia lá da PM do Estado de São Paulo, que realmente é uma polícia de qualidade – ela é elogiada no país inteiro -, aparentemente houve lá um excesso, um erro operacional grave que resultou na morte de algumas pessoas”.

Acontece que o “excesso” provocado por essa polícia de “qualidade” significa o assassinato de pessoas, ainda que o órgão estadual de segurança pública defenda a tese de que os policiais foram alvo de tiros disparados por dois homens em uma motocicleta. De acordo com a Polícia Militar, esses homens partiram atirando em direção ao baile funk onde as vítimas e mais 5 mil pessoas estavam, provocando um tumulto no local.

Entretanto, uma testemunha, que foi agredida com uma garrafa, afirma que os policiais armaram uma emboscada para os frequentadores do baile.

“Eu não sei o que aconteceu, só vi correria, e várias viaturas fecharam a gente. Minha amiga caiu, e eu abaixei pra ajudá-la. Quando me levantei, um policial me deu uma garrafada na cabeça. Os policiais falaram que era para colocar a mão na cabeça”.

Erro operacional grave não, genocídio sim

O educador Douglas Belchior, membro fundador da Uneafro, analisa que as mortes em Paraisópolis ocorreram como ação de genocídio:

“Em Paraisópolis, não foi acidente, é genocídio. Genocídio porque é uma ação sistemática do estado, não é uma ação pontual, não foi um acaso o que aconteceu ali, é uma recorrência do estado brasileiro colocar sua polícia, seu aparato armado para promover violência contra negros e pobres historicamente. Não é à toa que o número de homicídios contra pessoas negras é um dos maiores do planeta. O que aconteceu em Paraisópolis é mais um capítulo dessa história que é decorrência direta da escravidão brasileira”.

O educador agrega que a violência usada pela PM em Paraisópolis é uma “prática objetiva da política de segurança pública”, que é “deliberada, orquestrada, estimulada e autorizada” para exterminar negros e pobres

Familiares das vítimas contaram à Agência Brasil que estão sendo criticados nas redes sociais. Fernanda dos Santos Garcia, irmã de uma das vítimas, relatou que:

“Muitas pessoas nos ofendendo, nos culpando, [questionando] o que um jovem de 16 anos estava fazendo naquele local. Estava fazendo o que os filhos de todos vocês fazem, o que muitos de nós fazemos e fizemos: ele estava se divertindo”.

O desabafo de Fernanda explicita o estereótipo sobre os bailes funks como lugares de criminalidade, onde a PM teria liberdade, portanto, para atuar de forma violenta.

Justiça

Os moradores de Paraisópolis e familiares das vítimas querem justiça por essas mortes. Mas essa deveria ser, também, uma exigência de toda a sociedade para que a investigação seja feita com transparência.

Lamentavelmente, esperança parece ser uma palavra mais forte do que justiça em uma realidade na qual a violência policial é uma constante, conforme mostra o vídeo abaixo onde um um policial militar aparece agredindo jovens na favela de Paraisópolis com um objeto que parece um cano ou um pedaço de pau. Um dos atingidos é um jovem que usa muletas para se locomover.

Embora as imagens sejam do dia 19 de outubro, elas mostram a atuação policial violenta em comunidades periféricas, o que coloca bastante em suspeição a versão alegada pela PM de São Paulo sobre a morte dos nove jovens no Baile da 17.

Vai morrer todo mundo (e não vai ser acidente)

Ademais, as imagens não mentem sobre como foi a ação dos militares de São Paulo no evento que ficará para a história como o dia do Massacre de Paraisópolis:

 

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Fonte foto




Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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