Holocausto brasileiro, o Hospital Colônia de Barbacena – 50 anos de omissão


Não só de histórias bonitas se faz a vida e saber a verdade é imprescindível para se construir um futuro melhor para todos. Aqui falo hoje de uma história triste, terrível, uma forma da sociedade de expurgar seus excluídos.

Os manicômios e, principalmente este, o Hospital Colônia de Barbacena, o maior hospício do Brasil, onde morreram 60 mil excluídos, principalmente entre 1960 e 1980. Ficou conhecido como genocídio em massa o ocorrido lá. E é preciso não se esquecer, para nunca se repetir, com as razões que forem ditas, quaisquer.

Neste local, na cidade de Barbacena, em Minas Gerais, eram internados todos aqueles que as famílias, ou a sociedade, o poder público, não queria por perto ou soltos na rua. Alguns tinham doenças psiquiátricas, outros eram deficientes físicos, outros eram apenas desafetos políticos. E essa história ficou calada por 50 anos. E até hoje o “estado de direito” é omisso – não responde por este que é um crime de humanidade.

Crianças difíceis, meninas violadas, idosos incapazes que haviam trabalhado toda sua vida, doentes de doenças várias. Mulheres cujos maridos queriam ver-se livres. Jovens “bagunceiros”, homossexuais e drogaditos. E os desafetos do poder político, também. Os loucos, clinicamente comprovado, não chegavam ao 30 % dos internos.

Ou seja, 70 % eram os excluídos, os indesejados, os feios e desagradáveis aos olhos de alguém de poder. Para lá eram levados e esquecidos, para sempre. Muitos morreram de maus tratos, de fome, de frio, outros morreram das torturas que sofriam. Os que não estavam doentes, e eram muitos, ficaram arruinados, mortos de alma. Poucos são os sobreviventes, hoje, deste horror que também nós tivemos, um verdadeiro holocausto, expurgo social dos indesejáveis.

Uma prisão sem camas – os internos dormiam sobre capim que durante o dia era posto para secar ao sol e, quando estava mesmo muito sujo então era jogado fora. Bichos, pior que bichos.

Todas as técnicas usadas no hospital tinham como único objetivo o controle, do físico e da mente, das pessoas lá internadas, não a cura nem a recuperação e reintegração social. Tão intenso era o uso do eletrochoque que, muitas vezes, a sobrecarga causava pane no sistema elétrico da cidade.

Veja o documentário Em Nome da Razão, realizado em 1979 que contêm depoimentos de internos e de profissionais que viviam e trabalhavam lá, no Manicômio de Barbacena. Com esse documentário foi feita a denuncia de métodos cruéis, do encarceramento de pessoas saudáveis e das condições sub humanas de sobrevivência em que viviam.

Abaixo, veja um trecho do documentário intitulado Os horrores de Barbacena, vídeo compilado por Ive Guedes para o trabalho de Processos Psicológicos Básico, 2º de semestre de Psicologia da Unip. Você terá uma visão clara do que era, do que foi esse horror.

Alguns depoimentos são feitos por familiares de internos, mães, irmãs, que contam como seus entes queridos foram internados, por “ordem superior”, sem seu consentimento ou qualquer necessidade que se possa demonstrar clinicamente. A tristeza dos despossuídos.

“Lá suas roupas eram arrancadas, seus cabelos raspados e, seus nomes, apagados. Nus no corpo e na identidade, a humanidade sequestrada, homens, mulheres e até mesmo crianças viravam “Ignorados de Tal; (…)comiam ratos e fezes, bebiam esgoto ou urina, dormiam sobre capim, eram espancados e violentados até a morte”

“Entre 1969 e 1980, mais de 1.800 corpos de pacientes do manicômio foram vendidos para 17 faculdades de medicina do país, sem que ninguém questionasse. Quando houve excesso de cadáveres e o mercado encolheu, os corpos passaram a ser decompostos em ácido, no pátio da Colônia, na frente dos pacientes ainda vivos, para que as ossadas pudessem ser comercializadas” conta Daniela Arbex em seu livro, Holocausto brasileiro.

O psiquiatra italiano Franco Basaglia[7], pioneiro na luta antimanicomial na Itália, esteve no Brasil e conheceu o Colônia em 1979. Na ocasião, chamou uma coletiva de imprensa e desabafou: “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa”[8].

Os depoimentos acima eu os coletei do texto de Thayara Castelo Branco “O Holocausto manicomial: trechos da história do maior hospício do Brasil!” http://www.revistapazes.com/manicomial/ que é Advogada. Mestre e Doutoranda em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com área de pesquisa em Violência, crime e Segurança Pública. Vale a leitura completa, com certeza.

Esta história triste da nossa história brasileira mostra, com crueza, a que ponto pode chegar uma sociedade que não aceita a diferença, a diversidade, o eu de cada um. A que ponto chegamos nós, seres ditos humanos, quando não respeitamos o outro, quando não o amamos como a nós mesmos.

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Redação greenMe

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