1ª Marcha Nacional das Mulheres Negras acaba em tumulto


A 1ª Marcha Nacional das Mulheres Negras reuniu cerca de 10 mil pessoas nessa quarta (18), nas Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Mulheres de todo o país participaram da marcha para lutar contra a violência, a discriminação e o racismo, entre outras pautas, como o reconhecimento das parteiras tradicionais e a defesa das terras quilombolas e indígenas.

“O que está acontecendo hoje não é uma manifestação de 2015, é uma manifestação histórica, por exigência de igualdade de gênero e raça. A gente sabe, a partir de dados de vários institutos de pesquisa, que a mulher negra é colocada num lugar de inferioridade”, afirma a estudante de geografia Tais Teles, 28 anos. Ela veio em uma caravana que trouxe diversos coletivos de mulheres do oeste paulista.

A deputada Janete Capiberibe (PSB-AP) disse que se juntou ao movimento para lutar contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 215), contra a discriminação das mulheres negras no Sistema Único de Saúde (SUS) e a favor do reconhecimento das parteiras tradicionais. “A mulher negra sofre na saúde, nos atendimentos do SUS. Os médicos não olham essas mulheres, principalmente os ginecologistas e obstetras. E a marcha também apoia o projeto das parteiras tradicionais, para regulamentar a sua atividade e definir um salário para essas mulheres que estão nas comunidades longínquas, onde nenhum profissional da saúde chega”, disse.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 transfere do Poder Executivo para o Congresso Nacional a prerrogativa de demarcações das terras indígenas, quilombolas e de unidades de conservação. A deputada Maria do Rosário, que já foi ministra da Secretaria de Direitos Humanos, disse que a marcha ocorre em um momento importante de mobilização das mulheres em prol de direitos. “Essa marcha acontece em um momento de retrocessos na lei que trata da violência contra mulheres, através do Projeto de Lei 5069, que trata as vítimas de estupro como um caso de delegacia, obrigando as mulheres a irem à delegacia antes de serem atendidas no sistema de saúde”, disse.

Outra parlamentar presente à marcha, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ) defendeu maior atenção às mulheres negras com mais de 60 anos. “Nós nascemos e queremos garantir a vida depois do nascimento. Nós nos tornamos jovens, adultas e envelhecemos. Queremos envelhecer com dignidade, respeito. Temos o Estatuto do Idoso, mas queremos que este estatuto tenha um recorte racial. Se somos maioria, envelhecemos também em maioria”.

Dados do último Censo (2010) indicam que as mulheres negras são 25,5% da população brasileira (48,6 milhões de pessoas) e são as maiores vítimas de crimes violentos. De 2003 para 2013, o assassinato de mulheres negras cresceu 54,2%, segundo o Mapa de Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil. No mesmo período, o índice de assassinatos de mulheres brancas recuou 9,8%, segundo o estudo feito pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a pedido da ONU Mulheres.

Tumulto na 1ª Marcha das Mulheres Negras

Um confronto em frente ao Congresso entre manifestantes da Marcha das Mulheres Negras e manifestantes contrários à presidente Dilma Rousseff que defendem a intervenção militar e social acabou com a prisão de pelo menos dois manifestantes pela Polícia Militar do Distrito Federal.

Está preso na 5ª Delegacia de Polícia do DF Marcelo Penha, de 42 anos, policial civil do Maranhão. Ele foi detido por volta das 15h em flagrante por quatro disparos de arma de fogo nas imediações do Congresso. Na última sexta-feira, o mesmo policial havia sido levado para a delegacia por portar arma em meio a um protesto de estudantes. O outro homem detido é um policial civil do DF que teria efetuado outros três disparos. Participante da Marcha das Mulheres Negras, Janete Rocha Pietá conta que viu quando um homem deu um tiro em direção à marcha, que seguia rumo ao Palácio do Planalto, onde o grupo foi recebido pela presidenta Dilma Rousseff. Segundo Janete, ele deu o tiro e correu em direção às barracas dos manifestantes pró-impeachment que estão acampados em frente ao Congresso Nacional. Para ela, foi um ato de preconceito racial. — Isso aconteceu por preconceito. Nunca tinha acontecido antes de darem tiros em manifestantes no Congresso. Esse disparo foi feito contra nós por sermos mulheres negras — disse Janete, ao chegar alarmada no Planalto.

O coordenador de um dos grupos pró-impeachment, Regis Callegari, disse que eles é que foram vítimas das mulheres e afirmam que tinham também homens na passeata. Ele disse que os manifestantes teriam ido para cima do acampamento e destruído faixas e derrubado o boneco inflável do general Hamilton Mourão, cultuado pelo grupo. Mourão é o oficial que foi afastado do Comando Militar do Sul após críticas ao governo Dilma Rousseff.

Segundo Dileta Corrêa Silva, namorada de Marcelo Penha, policial do Maranhão preso, manifestantes do MST e da CUT tentaram agredir uma jovem da União Patriótica Nacional, movimento que está acampado há meses no gramado do Congresso pedindo a saída da presidenta Dilma Rousseff. Nesse momento, Marcelo teria colocado o braço para defender a moça. Foi quando, ainda de acordo com ela, os manifestantes lançaram rojões na direção do namorado, que disparou quatro vezes para cima para se defender.

Parlamentares pedem providências

Na sessão plenária do Congresso, indignada, a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), relatou o acontecimento e pediu que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tomasse providências sobre os atos violentos na Esplanada. — Hoje acaba de acontecer uma atrocidade, nunca vi coisa dessa natureza. Não pode dizer que é partido, que é direita e esquerda. Eles têm armas, bombas, estão agredindo a população civil. Não é possível um descalabro desses. Era uma marcha de mulheres, não são mulheres armadas. Tudo o que estamos fazendo foi acordado com a Câmara e com o Senado, não aceitamos essa agressão, peço que tome as providências — disse Benedita da Silva, reclamando que a polícia não deu segurança e proteção às mulheres.

O presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), foi atingido por gás de pimenta disparado por policiais militares que tentavam conter o tumulto. Pimenta foi atendido no serviço médico da Casa. Além de Benedita, outros líderes também ocuparam os microfones do plenário para protestar e pedir providências a Renan para a retirada dos manifestantes que estão acampados nos gramados próximos ao Congresso.

O presidente do Senado afirmou que irá conversar com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e que também pedirá que as polícias Militar e Federal investiguem a existência de bombas e armas nestes locais. Renan reclamou que a manifestação no gramado é autorizada pelo presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha.

— Para permanecer (no gramado em frente ao Congresso) precisaria da anuência dos dois presidentes. Eu não concordo com isso (o acampamento), mas mesmo assim a ocupação se fez. O presidente do Senado sozinho não pode nem permitir, nem tirar os manifestantes. Vou conversar com o presidente Cunha em função dos fatos novos. Minha solidariedade às mulheres, da minha parte vou pedir que a PM e a PF investiguem a existência de bombas, de armas e tome as providências na forma da lei avisou Renan.

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) está em posse de duas cápsulas de revólveres que teriam sido disparadas em tiros na confusão da tarde desta quarta-feira no gramado do Congresso Nacional. Ele entregará as cápsulas ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). — Vai terminar muito mal isso daqui se não agir logo — disse Valente.

A deputada Benedita da Silva, que foi uma das coordenadoras da 1ª Marcha das Mulheres Negras, afirmou que o grupo – ela estima em cerca de 10 mil mulheres – foi surpreendido por ação de militantes políticos que já estão acampados há semanas no gramado. — Fomos impedidas de seguir com o ato. Fomos surpreendidas por agressão, teve tiros e bombas — disse a deputada.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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