Emicida ganha o mundo na missão de resgatar a história negra do Brasil


Não há como ver o documentário “AmarElo”, do rapper paulistano Emicida, sem se emocionar.

Além de uma obra de arte audiovisual, Emicida, cujo nome de nascimento é Leandro Roque de Oliveira, reconstitui a história do Brasil a partir da sua existência de homem negro periférico que se inventou a partir do contato com a música afrobrasileira, bem ao estilo “só a arte salva” ou “só a Beleza salvará o mundo”.

A obra do rapper, que é uma das mais destacadas da Netflix, já ganhou o mundo.

O jornal inglês The Guardian dedicou uma matéria para contar o êxito do artista brasileiro que ganhou o Grammy Latino por seu álbum “AmarElo”, na categoria “Melhor Álbum de Rock ou Música Alternativa em Língua Portuguesa”.

Emicida, no documentário que leva o mesmo nome do álbum, restitui à história do Brasil várias páginas arrancadas pelo colonialismo patriarcal. No palco, ele encena as narrativas silenciadas regatando a memória de personagens anônimos e de artistas negros fundamentais para a formação de nossa identidade.

“Se tivessem nos contado sobre essa história e essas contribuições [negras] na escola, teríamos um sentido radicalmente diferente de quem somos – e isso teria produzido uma sociedade muito melhor do que a que temos hoje”, disse o artista relembrando o ditado “quem não conhece a história está condenado a repeti-la”.

O artista tem se transformado em uma das figuras públicas mais influentes do Brasil nos últimos anos. Além de rapper, empresário, produtor, ele também é comentarista do programa “Papo de Segunda”, no qual junto com mais quatro companheiros, debate temas de interesse público a partir do seu olhar ao mesmo tempo particular mas de abrangência global.

Na TV, no palco, nos streamings de áudio e audiovisuais, Emicida é uma voz – uma voz própria e que reverbera tantas outras silenciadas pelo racismo e pela desigualdade esmagadora, ainda insuperáveis no Brasil.

O jornalista musical Pedro Antunes descreveu o trabalho de Emicida de “heroico” e “AmarElo” como um antídoto para “séculos de amnésia e branqueamento racial”.

Mais do que amnésia, porque esta significa a perda da memória, de algo que se escapou involuntariamente, “AmarElo” é a criação de uma memória, porque a história da negritude brasileira – e, portanto, do Brasil – foi tão violentamente marginalizada que nem sequer chegou a constituir-se como memória. Ficamos à deriva, com a perda daquilo que não quisemos – por escolha – guardar.

O papel da memória individual e coletiva foi tomada a sério por Emicida após uma viagem a Angola na qual visitou o Museu Nacional da Escravidão, em 2015. O rapper conta que ficou profundamente tocado quando viu a fonte de uma capela onde os africanos escravizados eram “convencidos de que não tinham alma”.

“Eu me perguntei sobre os momentos da minha vida em que senti que também não tinha alma; como passei boa parte da minha vida suspenso nesta escuridão onde me sentia não digno de ser considerado inteligente, ou forte, ou importante, ou bonito, ou qualquer atributos positivos que fazem parte da experiência humana”, disse o artista para o The Guardian.

A reflexão de Emicida é mais do que necessária, pois existem muitas pessoas que ainda acreditam que os corpos negros não têm alma e que suas vidas são menos “vivíveis” do que as dos corpos brancos, ou seja, aqueles importam menos do que estes. Não à toa, muitos nem se comovem quando uma criança, um jovem, uma mulher, um trabalhador negro morre nas periferias brasileiras ou vítimas da pandemia, por exemplo.

Ainda bem que do Brasil da escravidão e do racismo brotou Emicida, para insuflar uma alma de afetos bons para uma sociedade que, às vezes, parece que não tem mais uma.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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