Tragédia no RS: a culpa não é da crise climática, é do descaso político histórico


A tragédia recente no Rio Grande do Sul, onde inundações devastadoras arrasaram comunidades, reacendeu uma discussão antiga e muito complexa sobre a culpa e a responsabilidade em contextos de desastres naturais. Como nativa de Piracicaba, cidade que sempre enfrentou o temor de enchentes a cada período chuvoso, posso testemunhar que as adversidades climáticas são um velho conhecido do brasileiro. Mas a maneira como reagimos a essas adversidades é que merece uma análise mais profunda.

Chuvas em Minas Gerais em 2020: dezenas de mortes e milhares de desabrigados

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Não é novidade que o Brasil é um país de climas extremos, com uma história marcada por secas e inundações severas. A crise climática global, exacerbada pelo aquecimento global, certamente intensifica esses fenômenos, tornando-os mais frequentes e violentos. No entanto, atribuir a culpa exclusivamente à natureza ou à mudança climática é ignorar uma parcela significativa do problema.

O desastre no Rio Grande do Sul, como tantos outros pelo país, destaca não apenas as forças da natureza, mas principalmente falhas estruturais e históricas em nosso sistema de gestão ambiental e urbana. A responsabilidade é difusa e coletiva, abarcando diversos governos, passados e presentes. Governos municipais, estaduais e federais compartilham dessa culpa, seja por ação ou por omissão.

É comum, em momentos de crise, vermos políticos apontando dedos. Figuras como Marina Silva, atual ministra do Meio Ambiente, e outros líderes políticos têm usado a tragédia para destacar falhas ou responsabilizar adversários, mas esta não é uma questão que começou ontem, nem se limita a uma gestão. A discussão precisa ser mais ampla e incluir uma análise crítica sobre como políticas de longo prazo, seja de esquerda como de direita, como o PAC sob Dilma Rousseff ou políticas ambientais sob o governo Bolsonaro, têm (des) tratado a prevenção e a gestão de desastres naturais fomentando usinas (Belo Monte) ou desmatamento (agronegócio).

Querer culpar ou amenizar um outro governo é infantil e injusto pois, na verdade, todos tiraram casquinha da mãe natureza brasileira, sem dó nem piedade. Aliás, o histórico de corrupção brasileira, infelizmente, não poupou nenhum governo ou partido político que, em nome do desenvolvimento econômico ou social, não tenha sido, ao menos, suspeitado de crime ambiental, lavagem de dinheiro, etc.

O Brasil tem um histórico de priorizar o desenvolvimento econômico em detrimento de políticas sustentáveis e de longo prazo para gestão de recursos naturais e urbanização. Assim, independentemente da orientação política do governo de turno, a tendência tem sido sempre reagir a tragédias, ao invés de preveni-las.

Nesse sentido, a culpa pela tragédia no Rio Grande do Sul não recai apenas sobre uma pessoa, um governo ou um evento climático isolado. Ela é o resultado de décadas de negligência, falta de planejamento adequado e a ausência de infraestrutura resiliente que poderia mitigar os efeitos desses inevitáveis eventos naturais.

Para mudar essa realidade, é crucial que a discussão avance além da atribuição de culpa imediata e se foque em soluções sustentáveis e integradas que abordem as causas raízes dos problemas. Investimentos em infraestrutura verde, políticas de zoneamento urbano que respeitem o meio ambiente, educação pública sobre riscos e prevenção de desastres, e, fundamentalmente, uma política coerente que transcenda ciclos políticos e interesses partidários imediatos são essenciais para começar a reverter esse ciclo de desastres e desolação.

Enfrentar esses desafios exigirá uma abordagem colaborativa e comprometida, longe das querelas políticas e mais próxima de uma gestão consciente e sustentável do território e dos recursos naturais do Brasil. Somente assim poderemos esperar um futuro onde as chuvas no Rio Grande do Sul, ou em qualquer outra parte do país, não sejam sinônimo de tragédia.

Os links abaixo refrescam a memória e denunciam um histórico de descaso ambiental no Brasil.

Fontes:

  1. Tragédia no RS é responsabilidade também de senadores e deputados que desmontam legislação ambiental’, diz secretário do Observatório do Clima. BBC Brasil, 4 de maio de 2024.
  2. Marina tenta responsabilizar Bolsonaro por tragédia no RS. O Antagonista, 4 de maio de 2024
  3. Dilma inaugura Belo Monte, maior obra do seu governo. O Eco, 6 de maio de 2016.
  4. PAC foi marca histórica do PT, mas pouco alterou investimentos na economia. O Globo, 11 de agosto de 2023.
  5. PAC 3 deve enfrentar gargalos ambiental e de construção civil. Valor Econômico, 12 de setembro de 2023.

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Daia Florios

Cursou Ecologia na UNESP, formou-se em Direito pela UNIMEP. Estudante de Psicanálise. Fundadora e redatora-chefe de greenMe.


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