Brasil não tem motivos para comemorar o Dia das Crianças


O Dia das Crianças é mais uma data comercial, todos sabem, onde as crianças mais “sortudas” recebem um presente porque elas “merecem”. Mas, diante do relatório recém divulgado da ONU, deveríamos nos envergonhar de tratar as crianças brasileiras da maneira que tratamos, porque – à parte as crianças abastadas, bem vestidas, escolarizadas, como todas deveriam ser – as marginalizadas, pretas e pobres são literalmente assassinadas em uma espécie de “limpeza social” generalizada, mas mais evidente no Rio de Janeiro.

Os 18 peritos independentes do Comitê dos Direitos das Crianças da ONU basearam o relatório intitulado “Concluding observations on the combined second to fourth periodic reports of Brazil” em documentos fornecidos pelo próprio governo e pela sociedade civil. O que se conclui no relatório é simplesmente que o Brasil é um dos países com maiores taxas de homicídio infantil no mundo e, sobretudo, de jovens homens e negros.

Veja alguns pontos que se destacam no relatório e que colocam as crianças em situações de vulnerabilidade:

Mormente no Rio de Janeiro

* a necessidade de combater a alta participação de crianças no conflito armado e nas organizações criminosas;

* a participação de órgãos policiais como a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) e o Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) que “notavelmente se voltam contra as crianças moradoras de rua e das favelas, entre outras, durante operações de “pacificação”, nas operações militares na Maré no Rio de Janeiro e nas do “Choque de Ordem”;

* a remoção de 250.000 famílias para a Copa do Mundo e Olimpíadas sem as devidas condições que permitam o desenvolvimento saudável das crianças;

* a remoção forçada de crianças de rua para centros e instituições;

* a necessidade de investigar torturas, desaparecimentos e execuções de crianças mesmo nos casos de “autos de resistência”.

No Brasil em geral

* a urgência de proteger o direito das crianças mais vulneráveis como as indígenas, negras, e com deficiência;

* acabar com o sistema de ensino segregador de crianças com deficiência, o que contraria o Plano Nacional de Educação no Brasil, com destaque para os estados de SP, MG e PR;

* o problema das crianças grávidas, entre 10 e 14 anos. O relatório critica a criminalização do aborto no Brasil, que vitimiza principalmente estas crianças e adolescentes.

Vamos falar seriamente: ninguém pede para nascer

ação policial na favela

foto: emol.com

Principalmente ninguém pede nascer em uma favela no Brasil, lugares onde geralmente falta tudo, desde saneamento básico à escolas. Ninguém pede para nascer em um ambiente de violência generalizada. Daí a sociedade condena os “demenor”, como dizem, porque são pessoas ruins, do mal, verdadeiros monstros, cujos direitos podem, “e devem”, ser retirados simplesmente porque estes tiveram o azar de nascer em lugar errado.

Isso significa que inclusive o direito de ir à praia, no caso do Rio de Janeiro, pode “e deve” ser retirado das crianças e adolescentes cariocas porque estas são literalmente marginalizadas, moram na periferia e não têm dinheiro para comprar um picolé na praia, então, “o que vão fazer lá?”.

Quando é que nós, brasileiros, digo nós, a sociedade, iremos entender isso e desaprovar as medidas violentas que os nossos governos insistem em promover para maquiar o nosso problema da violência?

Porque o problema é muito sério quando nas notícias veiculadas na web sobre a violência contra as crianças no Brasil, lê-se tantos comentários do tipo “tem que matar mesmo”.

Pensa que você, caro leitor, também poderia ter nascido “mal”. E quais seriam as suas chances de ser “alguém de bem” na vida?

O mundo inteiro noticiou o relatório da ONU sobre a violência contra as crianças brasileiras. Não é apenas a corrupção e a desaventura econômica que queimam o nosso filme. O futuro do país passa, necessariamente, pela maneira com a qual nós tratamos as nossas crianças.

Feliz Dia das Crianças! Repensemos nossos conceitos.

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foto: Pawel Kuczynski

Leia também: AUMENTAM OS ASSASSINATOS DE ADOLESCENTES NO BRASIL

Fonte foto capa: legrandemonde




Daia Florios

Cursou Ecologia na UNESP, formou-se em Direito pela UNIMEP. Estudante de Psicanálise. Fundadora e redatora-chefe de greenMe.


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