Ameaçado de morte, Jean Wyllys deixou o Brasil e será professor em Harvard


No início deste ano, todos aqueles que lutam pela vida democrática do Brasil ficaram estarrecidos com a notícia do então deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) de não assumir o seu terceiro mandato, para o qual foi eleito na eleição de 2018.

Wyllys passou a morar em Berlim, onde está realizando um doutorado sobre fake news e ódio na Web. Desde então, ele tem percorrido a Europa dando palestras e concedendo entrevistas.

Agora, o ex-deputado irá dar aulas sobre o tema de sua pesquisa em Harvard (EUA), uma das universidades mais prestigiadas do mundo. A sua residência como professor e pesquisador será no Instituto de Pesquisa Afro-Americana da universidade, como informou a Exame.

Relembre a sua saída

A razão pela qual Wyllys renunciou ao mandato para o qual foi eleito foram as ameaças de morte que passou a sofrer. No início deste ano, o jornal El Pais publicou uma matéria divulgando o anúncio que o ex-deputado fez em sua conta no Twitter sobre a sua decisão, a qual foi tomada, sobretudo, após o assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018. A partir daí, o colega de partido de Marielle passou a viver sob escolta policial.

As ameaças sofridas por Wyllys foram levadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que solicitou ao Governo brasileiro a adoção de medidas para proteger a vida do deputado e investigar as ameaças que vinha sofrendo. Entretanto, o clima de insegurança se agravou, levando-o a deixar definitivamente o país.

Foram várias as mensagens de apoio ao ex-deputado, bem como de repúdio à falta de ambiente político que protegesse o exercício de seu mandato e a integridade de sua vida – algo que remeteu ao Brasil da época da ditadura militar de 1964-1985, quando o AI-5 instaurou a cassação de mandatos políticos.

Estado Democrático de Direito

Para entender a dimensão da renúncia de Jean Wyllys no cenário de uma suposta normalidade política e cidadã no Brasil, é preciso remontar a um conceito fundamental do ordenamento constitucional do país: o Estado Democrático de Direito.

Está na boca da maioria dos políticos e profissionais da imprensa a expressão “Estado Democrático de Direito”. Saído do domínio jurídico, o conceito, que se tornou popular, muitas vezes é usado esvaído do sentido histórico que percorreu.

A literatura do Direito é vasta na tentativa de compreendê-lo, embora defini-lo não seja uma tarefa muito fácil. Muitos estudiosos da área preferem retomar os valores que constituíram o Estado Democrático de Direito a buscarem uma definição totalizante. Um dos que o fazem é o procurador e pesquisador Enio Moraes da Silva, em um artigo no qual relaciona que:

  1. Um Estado Democrático de Direito tem o seu fundamento na soberania popular;
  2. A necessidade de providenciar mecanismos de apuração e de efetivação da vontade do povo nas decisões políticas fundamentais do Estado, conciliando uma democracia representativa, pluralista e livre, com uma democracia participativa efetiva;
  3. É também um Estado Constitucional, ou seja, dotado de uma constituição material legítima, rígida, emanada da vontade do povo, dotada de supremacia e que vincule todos os poderes e os atos dela provenientes;
  4. A existência de um órgão guardião da Constituição e dos valores fundamentais da sociedade, que tenha atuação livre e desimpedida, constitucionalmente garantida;
  5. A existência de um sistema de garantia dos direitos humanos, em todas as suas expressões;
  6. Realização da democracia – além da política – social, econômica e cultural, com a consequente promoção da justiça social;
  7. Observância do princípio da igualdade;
  8. A existência de órgãos judiciais, livres e independentes, para a solução dos conflitos entre a sociedade, entre os indivíduos e destes com o Estado;
  9. A observância do princípio da legalidade, sendo a lei formada pela legítima vontade popular e informada pelos princípios da justiça;
  10. A observância do princípio da segurança jurídica, controlando-se os excessos de produção normativa, propiciando, assim, a previsibilidade jurídica.

Se tomarmos essas dez características que garantem o Estado Democrático de Direito, podemos perceber que a renúncia de um mandato parlamentar por ameaça fere os próprios princípios que deveriam garanti-lo.

A roda da vida gira. Wyllys é uma prova disso, afinal, ele não renunciou apenas a seu mandato, mas a sua vida, família, amigos, militância e país – mesmo que provisoriamente.

Que a pesquisa de Jean Wyllys ajude a nós, brasileiros, sobretudo, e àqueles que se interessam pelo tema, a compreender o tempo em que estamos vivendo, a fim de que possamos com o conhecimento transplantar o obscurantismo que alguns têm se esforçado em disseminar.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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