O Nó da Arma: por uma cultura da não violência


O Brasil é um dos países mais violentos do mundo. As estatísticas sobre segurança pública mundial falam muito sobre a nossa sociedade: temos o 9° maior índice de homicídios do mundo, das 50 cidades mais violentas do mundo, 19 delas são brasileiras! Diante desse quadro, quais são as reais preocupações que nós, brasileiros, devemos ter após o presidente Jair Bolsonaro ceder à bancada da bala do Congresso ao assinar um decreto que regulamenta e flexibiliza a posse de arma no país?

Brasil armado

Essa foi uma das principais promessas de campanha de Bolsonaro, a qual rapidamente ele buscou cumprir. Na prática, alteram-se critérios do Estatuto do Desarmamento, como o de “efetiva necessidade”. Para a concessão da posse de arma, segundo o Estatuto, a análise e a aceitação ou não da justificativa eram feitas pela Polícia Federal. Com o decreto, fica presumida a veracidade dos fatos e das circunstâncias alegadas pelo requerente na declaração de “efetiva necessidade” de possuir uma arma, como, por exemplo, “viver em local perigoso”.

Sabemos que, nos conflitos agrários e de terras no Brasil, o uso de arma de fogo é uma constante. Por isso, uma das consequências mais preocupantes do decreto, segundo especialistas, é o aumento de mortes no campo e em terras indígenas e quilombolas. É o que endossam os dados da Comissão Pastoral da Terra de que, em 2017, no interior do país, foi registrado o maior número de homicídios desde 2003: 71 pessoas foram assassinadas, sendo as principais vítimas lideranças comunitárias, informa o jornal El Pais.

Violência no Brasil

Segundo o levantamento da organização de sociedade civil mexicana Segurança, Justiça e Paz divulgado pela BBC, há 17 cidades brasileiras com mais de 300 mil habitantes listadas no ranking da violência na América Latina. A capital do Rio Grande do Norte, Natal, aparece em quarto lugar. As demais cidades listadas são: Fortaleza (CE), Belém (PA), Vitória da Conquista (BA), Maceió (AL), Aracaju (SE), Feira de Santana (BA), Recife (PE), Salvador (BA), João Pessoa (PB), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Macapá (AP), Campos de Goycatazes (RJ), Campina Grande (PB), Teresina (PI) e Vitória (ES).

Destaca-se, também, o aumento da violência em cidades do interior, principalmente, no Norte e Nordeste, além da alta taxa de impunidade dos casos de homicídio, já que 90% deles não são investigados.

Os casos de violência no Brasil, em geral, estão associados às facções criminosas que disputam o tráfico de drogas e à carência de segurança pública nas cidades.

Um relatório anual da Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que as taxas brasileiras são cinco vezes superiores à média mundial de homicídios: as mortes no Brasil chegam a 31,1 pessoas por cada 100 mil habitantes, sendo que a média mundial é de 6,4.

Violência contra a mulher

Além da violência no campo, outra preocupação associada ao decreto é a violência contra a mulher. O último Atlas da Violência registra que 4.645 mulheres foram assassinadas no Brasil em 2016 – número que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada cem mil brasileiras, segundo informação do jornal Tribuna de Minas.

O Brasil acompanha as altas taxas de feminicídio na América Latina: dos 25 países com as maiores taxas, 14 estão na região, de acordo com dados divulgados por El Pais. Os agressores, geralmente, são companheiros ou familiares das vítimas. As motivações costumam ser “ciúme”, um conceito muitas vezes romantizado para encobrir a percepção desses homens de que as mulheres são algo que lhes pertencem e das quais não abrirão mão, mesmo que para isso tenham que matá-las.

A delegada de Mulheres Ione Barbosa alerta que aquela taxa pode crescer com a flexibilização da posse de armas, já que a violência contra a mulher ocorre, geralmente, dentro de casa.

“Se um homem já tem histórico de agressão à sua companheira, havendo arma de fogo dentro da residência no momento mais grave de explosão, quem vai utilizar essa arma é o agressor. O acesso fácil à arma irá aumentar o risco de morte nas casas de diversas mulheres que se encontram em situação de violência doméstica, ainda que o agressor não tenha histórico violento. Muitos casos acontecem no calor do momento”, destaca Barbosa.

A delegada explica, ainda, que o acesso à arma de fogo é um indicador de risco de letalidade, que se potencializa em um país machista como o Brasil.

No contexto machista, existe uma relação de poder entre o homem e a mulher. Em casos de violência, aquele pode se sentir no direito de usar uma arma, caso ela esteja ao seu alcance. Facilitar o acesso a uma arma de fogo é uma forma de estimular e legitimar essa relação de poder.

Outro aspecto analisado pela delegada é a inibição da mulher em buscar a delegacia para denunciar o seu agressor. “Sabendo que o companheiro tem uma arma dentro de casa, como essa mulher terá coragem de denunciá-lo? Ela teme pela sua vida e não quer ser morta”, pontua.

Muitas mulheres sobreviventes de casos de violência doméstica escaparam da morte porque o agressor não fez uso de arma de fogo, mas sim de instrumentos de baixa letalidade, como cordas, facas e a própria força física.

Por um cultura da não violência

Todos esses potenciais casos de agressão social, que podem se agravar com o decreto assinado por Bolsonaro, caso não seja tratado como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, estão inseridos em uma cultura da violência em nosso país – e, claro, em muitos outros.

Por isso, a Organização das Nações Unidas criou o Dia Internacional da Não Violência em homenagem a Mahatma Gandhi. Gandhi foi um pacifista defensor do Satyagraha, um princípio de não agressão como forma de protesto e revolução.

Expandindo esse princípio, deveríamos educar as pessoas para os valores da paz, os quais devem ser fomentados pelos Estados, e não incentivados, como está ocorrendo, agora, no Brasil.

Em uma sociedade competitiva e com históricos de agressão legitimados socialmente e pelo próprio Estado, é um desafio para o Brasil construir seu futuro em uma cultura pacifista e cooperativa. Entretanto, se esse movimento não for feito, será a sociedade civil que será, ao mesmo tempo, sua vítima e seu algoz.

Como escreveu Leonardo Sakamoto em sua coluna na UOL, ao dar o primeiro passo para flexibilização das regras para a posse de armas em casa ou no local de trabalho, Jair Bolsonaro reconhece a incapacidade de seu governo em implementar medidas para melhorar a segurança da população. Apesar de ser o cumprimento de uma promessa de campanha, também é uma declaração de que sua gestão não conseguirá resguardar o direito à vida.

O Nó da Arma

Ao lado da sede da ONU, em Nova Iorque (EUA), está uma escultura que representa a não violência. Criada pelo escultor sueco Carl Reuterswärd após o assassinato de John Lennon – um ativista pela não violência que acabou sendo vítima do uso de uma arma de fogo -, ela nos ajuda a lembrar que a vida é um bem para ser cuidado, e não banalizado em acordos que viram cifras.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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