Bebês Reborn e saúde mental: o que está por trás dessa moda?


Nesta quarta-feira (7), os vereadores do Rio de Janeiro aprovaram um projeto inusitado: a criação do “Dia da Cegonha Reborn”, celebrado em 4 de setembro, em homenagem às artesãs que criam bonecas hiper-realistas conhecidas como bebês Reborn. A proposta, de autoria do vereador Vitor Hugo (MDB), reconhece oficialmente o trabalho dessas mulheres — chamadas de “cegonhas” — que fabricam manualmente bonecas com traços tão realistas que chegam a ser confundidas com recém-nascidos.

Segundo a justificativa do projeto, essas bonecas vêm sendo usadas em terapias de apoio emocional, sobretudo com mulheres que enfrentam depressão, luto gestacional ou dificuldades ligadas à maternidade. A iniciativa ainda aguarda sanção do prefeito Eduardo Paes para virar lei.

Por trás dessa notícia, que à primeira vista pode parecer apenas curiosa ou excêntrica, existe um fenômeno social e psíquico mais profundo — e que nos convida a refletir sobre o mal-estar da civilização contemporânea, como já advertia Sigmund Freud há mais de 90 anos.

Reborns, maternidade e o vazio contemporâneo: o que está por trás do “Dia da Cegonha Reborn”?

mãe de bebê reborn

uma mãe carrega seu bebê reborn

O que são os bebês Reborn?

Os Reborn são bonecas de vinil esculpidas e pintadas artesanalmente para se parecerem com bebês reais. Eles têm peso, textura, cores e até cheiros que simulam a presença de um recém-nascido. Embora inicialmente criados como objetos de coleção, os Reborns hoje são usados para fins terapêuticos, artísticos e emocionais, especialmente por pessoas que vivenciaram perdas, solidão ou frustrações ligadas à maternidade.

A psicanálise e o mal-estar na civilização

Freud, em seu texto “O mal-estar na civilização” (1930), afirmava que o sofrimento humano decorre não apenas de causas externas (como perdas ou doenças), mas também da própria estrutura civilizacional. A vida em sociedade exige repressões e sacrifícios — do desejo, da sexualidade, do instinto — que geram sintomas psíquicos. A civilização moderna, por sua vez, intensificou esse mal-estar com promessas de felicidade baseadas no consumo e na performance.

Nesse contexto, o bebê Reborn pode ser entendido como sintoma de uma carência simbólica: um modo de representar algo que falta. Seja o filho que não veio, o amor que não se teve, o sentido que se esvaziou — o Reborn pode ocupar esse espaço de ausência. Ele é, ao mesmo tempo, objeto de afeto, fantasia e elaboração.

Mas atenção: não se trata de patologizar ou ridicularizar o fenômeno. A psicanálise não julga o sintoma como “certo” ou “errado”. Ela escuta. O que está em jogo não é o boneco em si, mas o lugar que ele ocupa na vida psíquica de quem o procura.

Reborns, redes sociais e o espetáculo do afeto

Nas redes sociais, o fenômeno ganhou contornos performáticos. A influenciadora Sweet Carol, por exemplo, viralizou com vídeos em que simula partos de Reborns. Alguns destes conteúdos somam mais de 100 milhões de visualizações. Para uns, trata-se de arte ou humor; para outros, um excesso que beira a alienação.

Esse tipo de exposição escancara um traço marcante da nossa época: a espetacularização da intimidade. Em vez de elaborar o luto, muitos tentam “curá-lo” via curtidas, vídeos e seguidores. É aí que o mal-estar da civilização se encontra com a lógica do mercado emocional: o vazio se transforma em engajamento.

Nem julgamento, nem fetichização: escuta e respeito

O “Dia da Cegonha Reborn” parece mesmo um exagero, uma histeria até, mas nos obriga a pensar em algo muito sério: o sofrimento psíquico que muitas vezes é silenciado, minimizado ou ridicularizado.

Em vez de rir ou condenar, talvez o mais importante seja abrir espaço para escutar: o que está por trás do afeto por um bebê que não respira, mas que traz conforto? O que essa “maternidade simbólica” revela sobre as formas de cuidado que faltam no mundo real?

A psicanálise nos lembra que cada sujeito é único — e que os sintomas, por mais estranhos que pareçam, sempre fazem sentido para quem os vive.

Escutar o Sintoma é Cuidar da Civilização

O fenômeno dos bebês Reborn nos confronta com questões fundantes da vida contemporânea: a solidão, o luto, a maternidade, a medicalização do sofrimento e o desejo de afeto. O reconhecimento legal das “cegonhas” pode ser lido, mais do que um gesto simbólico, como uma tentativa de dar lugar àquilo que geralmente é escondido — a dor subjetiva.

Em tempos de vazio afetivo e vínculos frágeis, talvez o que essas bonecas nos dizem seja justamente aquilo que esquecemos de ouvir: o humano é, acima de tudo, falta — e é dessa falta que nasce o desejo.

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Daia Florios

Cursou Ecologia na UNESP, formou-se em Direito pela UNIMEP. Estudante de Psicanálise. Fundadora e redatora-chefe de greenMe.


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