Gênero não-binário não é modinha: descoberto em túmulo medieval indivíduo XXY


A discussão pública sobre gênero não binário pode até ser recente, mas a existência de identidades de gênero que não obedecem ao binarismo masculino-feminino é muito antiga, e mais um estudo vem comprovar isso.

Um túmulo do período de 1050-1300 d.C. descoberto na Finlândia acaba de mostrar que a expressão não-binária de gênero era valorizada e respeitada na época.

Um estudo publicado no periódico European Journal of Archaeology levanta a hipótese de que o túmulo, previamente pertencente a uma guerreira de elevada hierarquia social, era na verdade de alguém identificado com o cromossomo XXY, informa o Saber Atualizado News.

Estudos arqueológicos anteriores sobre a Idade Média já mostraram que, na sociedade nórdica, guerreiras de notável destaque contribuíram para os avanços militares dos Vikings na Europa. Este novo estudo, que realizou investigações que incluem análises genéticas,  lança luz sobre como pessoas não-binárias podem ter sido membros valorizados e respeitados da comunidade medieval.

Uma mulher de espadas?

Encontrada em 1968 na cidade de Hattula, a pessoa havia sido identificada como uma mulher devido a seus vestígios ósseos, bem como suas vestes e seus acessórios típicos serem associados ao gênero feminino da época.

Acontece que a divisão binária do gênero baseada no sexo é uma visão moderna do Ocidente e estudos como esse demonstram que essa rigidez não ocorria em sociedades de outros tempos, como a Idade Média, na qual os gêneros eram estabelecidos de forma mais diversa e cheios de nuances.

Soma-se a isso um importante aspecto do sistema de gênero na Escandinávia: a masculinidade era aceita como o único gênero normativo, mas permitia que indivíduos do sexo feminino obtivessem o gênero masculino em certas circunstâncias. Logo, quando encontradas espadas, roupas femininas e joias em um túmulo de um indivíduo do sexo feminino, a interpretação sobre a sua identidade de gênero não pode ser definitiva.

Sobre o túmulo recém-encontrado, por exemplo, pairaram, inicialmente, duas hipóteses:

  •  ou o indivíduo representa uma mulher guerreira com uma anômala expressão de gênero;
  •  ou existiam mais de dois indivíduos enterrados, um do sexo masculino e outro do sexo feminino.

Entretanto, esta última hipótese veio perdendo força, pois pesquisadores das universidades finlandesas de Helsinki e Turku, em parceria com pesquisadores do Instituto Max Planck da Alemanha, confirmaram que apenas uma pessoa foi enterrada no túmulo.

XXY – Síndrome de Klinefelter

O esqueleto residual passou por testes de sequenciamento de DNA cujos resultados sugerem que o indivíduo de Suontaka não possuía cromossomos X e Y esperados para um típico indivíduo do sexo masculino (XY) ou do sexo feminino (XX).  Investigações genéticas mais detalhadas mostraram a evidência de que o DNA analisado está associado a um cariótipo XXY.

A condição na qual indivíduos do sexo masculino nascem com um cromossomo X extra é conhecida como síndrome de Klinefelter. A aparência anatômica de indivíduos com esses cromossomos é típica do sexo masculino. Em alguns casos, eles nunca perceberão que possuem a condição, mas em, outros, os sinais são mais evidentes, como infertilidade, hipospadia (a abertura da uretra fica em um ponto ao longo do lado inferior do pênis e não na ponta), falo e testículo pequenos, ginecomastia (crescimento de mamas), deficiência de testosterona podendo causar atraso ou incompleto desenvolvimento pubertário.

O estudo não consegue explicar como os aspectos físicos e psicológicos dos indivíduos XXY eram compreendidos pela sociedade finlandesa do século XI. O indivíduo pode ter sido respeitado justamente por causa da sua idiossincrasia física como também por pertencer a uma família local importante. Existem, ainda, evidências de que travestis e pessoas envolvidas em rituais de gêneros diversos mantiveram um nicho social próprio tolerado pela sociedade nórdica, que era ultramasculina.

Ainda restam muitas perguntas sem respostas, mas os estudos arqueológicos recentes vêm corroborando aquilo que já é defendido pelas ciências sociais: que o gênero não é um fato biológico, e sim uma construção social que pode ser interpretada de diferentes formas a depender de cada momento e contexto históricos.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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