O cerrado é o bioma que abastece de água o Brasil inteiro


Parece exagero afirmar de que o cerrado abastece de água o país inteiro – só que não é exagero nenhum essa afirmação do antropólogo baiano Altair Sales Barbosa que hoje choca a mídia. E, é bom que choque mesmo porque, do jeito que a coisa vai, a recuperação do cerrado e suas funções ambientais está quase irreversível.

Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro, terra seca, empobrecida de nutrientes, onde o fogo é ingrediente importante para o brote de algumas sementes, a limpeza de alguns capins, a renovação da cobertura vegetal.

Mas, a destruição do cerrado, pelo avanço inexorável das fronteiras agrícolas a partir dos anos 70 do século XX implica na redução da quantidade de água efetiva que é captada da atmosfera para todas as bacias profundas do continente, segundo explica o professor Altair, em entrevista exclusiva ao Portal Raízes em maio do ano passado, assunto retomado semana passada pela BBC.

A falta de água nos centros urbanos só vai aumentar

Como ensina Altair Sales Barbosa sempre que fala sobre o cerrado, esse bioma só mostra um terço de sua totalidade à superfície do solo. O restante, dois terços, é uma intrincada teia de raízes que alcançam profundidade suficiente para buscar água e nutrientes e também, que funcionam como área de descarga das águas acumuladas.

A alteração da cobertura vegetal pelo desmatamento da vegetação de cerrado e sua substituição por uma monocultura exótica (soja, milho, algodão ou qualquer outra que o agronegócio tenha interesse em desenvolver) elimina essa “teia de vida, nutrientes e água”. As plantas exóticas que subsidiam o agronegócio têm raízes muito mais curtas, a monocultura é fertilizada portanto suas plantas se alimentam na superfície, e também é irrigada, ou seja, água disponível enquanto interessa (ao mercado).

Na entressafra, no entanto, a terra está nua e, qualquer quantidade de água que tenha sobrado será extraída dela pelo sol e vento – ou seja, nenhuma água extra vai retroalimentar os lençóis subterrâneos e destes para os aquíferos.

O resultado da repetição desta situação é o desaparecimento de rios e riachos, o distanciamento de nascentes, a redução do volume de água disponível nos freáticos (que também alimentam a irrigação industrial) e, no final das contas, a redução drástica dos aquíferos mais importantes em território nacional – Guarani, Botucatu, Bambuí e Urucuia – e até da América Latina (leia mais aqui nesta entrevista do professor Altair ao Instituto Humanitas Unisinus, em 2014).

A perspectiva mais realista é de que a falta de água nos centros urbanos só vai aumentar. Esta situação, que já alcançou Brasília neste ano, pela primeira vez na história da cidade, será potencialmente resultante da falta de entendimento, pelas políticas públicas, da importância vital do cerrado sobre o abastecimento de água de todo o país.

Mas, e a solução, qual é?

Proteger, a todo custo, o que resta de cerrado para que estas porções possam funcionar como matriz – biológica e não só – pois, o bioma cerrado, em seus 40 milhões de anos, já passou por tanta coisa que é impossível reproduzir em laboratório todas as condições reais que geram a vida – e a água – nas regiões de incidência.

Como diz o professor, não adianta replantar vegetação de cerrado pois seriam precisos outros 40 milhões de anos para que as funções fossem restabelecidas. Outras vegetações não conseguem atingir a excelência do equilíbrio da vida no cerrado.

Ainda resta uma porção intacta – o arco conhecido como Matopiba, entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – que está sob violenta pressão do agronegócio de soja e fibras e, se esta porção for desmatada não teremos, sequer, a possibilidade de estudar e entender melhor, e tentar reproduzir, no futuro, as condições do cerrado que são fundamentais para a água e a vida.

A gravidade da situação

Algumas frases do professor Altair podem te dar a noção, pálida, da gravidade dessa situação:

“O Cerrado já atingiu seu clímax evolutivo e precisa, para o seu desenvolvimento, de uma série de fatores que já não existem mais.”

“O Cerrado é como uma floresta ao contrário, as raízes são profundas, maiores que as copas. Elas são responsáveis por absorver a água da chuva e depositá-la em reservas subterrâneas, os aquíferos”.

“Se você arrancar uma dessas plantas, vai contar milhares ou até milhões de raízes, e quando cortar uma raiz e levá-la ao microscópio, verá inúmeras outras mini-raízes que se entrelaçam com as de outras plantas, formando uma espécie de esponja” (na BBC).

“Sim, você vai ver jatobazeiro, pés de araticum e outras plantas sem frutos. A planta pode até continuar existindo por certo tempo, mas não vai mais ter fruto, com isso não terá semente que propicie a reprodução da espécie, o que determinará seu fim. Se você altera o solo, por exemplo, arando esse solo para plantar arroz, soja, aquele solo, que era oligotrófico – carente de nutrientes básicos –, recebe calcário para corrigir a acidez, recebe adubos para aumentar a produtividade… se forem mudadas as características primitivas, não vai mais ser um Cerrado” (no Portal Raízes).

E se a destruição do cerrado continuar, diz o professor, teremos uma convulsão social como resultado do desaparecimentos dos rios e, consequentemente, do fim de qualquer atividade humana na região, a começar pelas atividades agropastoris.

O Cerrado: do científico ao poético, é como se chama o blog do professor Altair – deixa aqui seu link para todos os que queiram conhecer mais de sua obra pois se ele fala do cerrado há 50 anos sem interrupção, chegou mais do que a hora de todos nós começarmos a estudar, e divulgar, e falar também, e juntar ombros, punhos, vontades, na defesa deste bioma, que é o mesmo dizer, na defesa da nossa vida.

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Redação greenMe

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