Acordo extrajudicial entre governos e mineradoras atola direito das vítimas de barragens


O vergonhoso acordo que deixa as vítimas da Samarco-Vale-BHP nas mãos do minerador agressor está sendo acertado a portas fechadas. No passado 26 de fevereiro seria assinado, não o foi. Vazou na imprensa a minuta. A Agência Pública distribuiu, contou para todo mundo, a maluquice foi denunciada. Talvez por isso está meio empacado o assunto.

Março, avisa o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, é um mês de luta internacional que marca a resistência contra as barragens e, o movimento chama a todos a denunciarem e, aos atingidos e atingidas, a exigirem seu direito de serem ouvidos, consultados, respeitados.

Minério, água e energia não são mercadorias! Esta é a palavra de ordem.

O vergonhoso acordo entre mineradora e governo para o qual o povo não opinou

No passado 23 de fevereiro veio à luz a minuta do acordo extrajudicial entre Samarco, Vale e BHP Billiton, os Ministérios Públicos Federal e Estadual e entidades governamentais sobre o desastre de Mariana. Este documento “estipula como os responsáveis deverão agir para reparar e compensar os danos socioambientais e socioeconômicos“. E manda criar uma Fundação, dirigida pelas empresas causantes do desastre, para cuidar de todo o assunto: recuperação ambiental, indenizações, etc e tal.

Belo acordo para o minerador, claro. Neste “as empresas terão o poder de decidir sobre quem será indenizado e sobre quanto cada pessoa ou família vai receber”.

E também, “se assinado por todos os envolvidos, o acordo encerra a ação civil pública que corre na 12ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais”.

Mas, a ação civil pública é do povo contra o agressor, dos atingidos contra a lama. Bela tentativa de se extinguir uma ação justa. Bela tentativa de se fugir às responsabilidades.

Cito aqui o que diz o Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB: “O acordo realizado entre governo federal e Samarco (Vale/BHP Billiton) para a suposta reconstrução do rio Doce representa a rendição ao criminoso. Realizado em gabinetes e sem participação nenhuma das vítimas que foram atingidas, acordo cede ao réu todos os poderes para decidir sobre o futuro de uma região que ele mesmo destruiu. Através de uma fundação privada, a mineradora administrará todos os recursos destinados à mitigação dos danos incalculáveis causados pelo rompimento da barragem do Fundão. No meio destes termos, não há nenhuma linha que garanta a participação dos atingidos. Ou seja, as principais vítimas dessa tragédia foram totalmente excluídas no processo de construção do acordo e também não terão o direito de opinar sobre a reconstrução de suas próprias vidas. Na verdade, as vítimas não terão o direito nem mesmo de se declararem como tal, porque este poder será exclusivo à própria Samarco. As vítimas terão que provar que são atingidos e os agressores terão o poder de decidir quem é atingido e o que deve ser a reparação. Uma total violação de direitos que agora terá conivência dos governos e do judiciário.”

Fim de citação – total indignação.

Leia na íntegra a minuta deste vergonhoso acordo: http://issuu.com/mabnacional/docs/acordo-desastre-mariana-11-02-2016/1?e=2601758/33652861

A Promotoria Pública de Mariana diz o quê?

Coitado do promotor de Justiça da Comarca de Mariana, Guilherme de Sá Meneghin. Também não foi chamado, ouvido ou perguntado sobre esse vergonhoso acordo. “Nunca houve qualquer tipo de diálogo comigo e também nunca houve qualquer tipo de diálogo com os atingidos”, diz. “Nada disso que está aí contempla o que de fato as pessoas precisam para ter o seu reassentamento efetivado. Eles não têm condição de saber como os atingidos querem a comunidade, eles não me consultaram e não consultaram os atingidos. Eles não conhecem Bento Rodrigues.”

E as vergonhosas cláusulas que protegem as mineradores e deixam as vítimas no desamparo

Cláusula 34ª “a Fundação comandada por Samarco, Vale e BHP Billiton vai criar uma Câmara de Negociação para acertar o valor das indenizações com cada um dos atingidos. Para isso, contará com negociadores com experiência na área jurídica e levará em conta informações sobre os interessados em reparações e provas colhidas. Quem não concordar com os termos oferecidos deverá entrar na Justiça. Aqueles que não puderem pagar por um advogado vão ter a assistência jurídica gratuita patrocinada pela própria Fundação. Ou seja, terão de aceitar a ajuda oferecida pelas empresas, que vão pagar as indenizações, para negociar ou contestar as próprias mineradoras.”

cláusula 10ª da minuta estabelece as modalidades de reparação socioeconômica. Para o promotor, o texto não tem validade. “Essa cláusula, ao não contemplar a participação das vítimas, não pode ser viabilizada. Ela viola não só a responsabilidade civil da empresa, que tem que ser de acordo com o dano causado, como também viola diversos tratados internacionais da área de direitos humanos“, afirma Meneghin. “A maioria das casas de Bento Rodrigues eram casas coloniais, construídas no século 18. Qualquer projeto que não leve em consideração características como essas não tem condições de ser viabilizado. Essa é a nossa contestação.”

O promotor contesta ainda o modo como a Fundação vai decidir sobre as indenizações, usando a Câmara de Negociação para tratar individualmente cada caso. “A indenização não pode ser levada à cabo por essa Fundação. Ela tem que ser feita na Câmara de Indenização aqui na Comarca com a participação do governo dentro do processo da ação civil pública em que já fixamos a primeira parcela da indenização. Cada comunidade tem um perfil muito diferente”, afirma.

De acordo com Meneghin, também não faz sentido que a Fundação forneça advogados para quem não puder arcar com isso. “Uma empresa não pode pagar advogado para uma pessoa que vai entrar com processo contra ela. O estatuto da OAB proíbe essa atividade. Isso é ilegal.”

Mas, e cadê o amparo da legislação às vítimas do desastre?

A conclusão é só uma – a legislação de barragens não dá amparo àqueles que, por ventura, sofram pelo rompimento destas. Na verdade, essa é uma legislação que só protege o mercado e a empresa. Os atingidos somem no meio do processo. Leia mais aqui.

Assista aqui, no vídeo abaixo, a entrevista com, Gilberto Cervinski,dirigente do MAB, que aponta deficiências na atividade mineradora brasileira:

No final, a esperança é a última que morre

A história dá suas voltas e nós, humanos, aprendemos com os trambolhões. Isso não é fatalismo, veja bem. Se todos nós dizermos NÃO, com firmeza, em todos os lados, a cada passo, mudaremos esse rumo neoliberal que está levando nosso país ao lamaçal.

A tragédia do Rio Doce jamais será esquecida pelo menos por nós, todos aqueles que nos indignamos com as calamidades sociais, ambientais, todos os que nos indignamos e reagimos ao brutal domínio do capital sobre a vida humana.

Não somos poucos, com certeza. Talvez ainda estejamos esparsos, ou desencontrados, não sei. Mas, acredito que um dia formaremos um bloco com massa crítica tão poderosa que conseguiremos, finalmente, expurgar da face da terra a essas empresas, a esses governos, a esses conluios que destroem o ser humano como espécie e a natureza como um todo.

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Fonte: http://www.mabnacional.org.br/




Redação greenMe

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