Precisamos sim falar sobre aborto


Uma decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a interrupção da gravidez até o terceiro mês de gestação não é crime, aplicada a um caso específico, reacendeu a discussão sobre o aborto no Brasil. As redes sociais ficaram tomadas por comentários, GIFs e posts sobre a questão. Afinal, cada um quer dar a sua opinião. Mas, muitas vezes, as opiniões são formadas com base em pouca informação e em preconceitos sobre um assunto tão sério.

A decisão do STF não tornou o aborto legal no Brasil, mas coloca uma nova luz sobre a maioria dos projetos de lei que tramita, atualmente, no Congresso Nacional sobre o aborto, que quer endurecer a pena para a prática e torná-la crime hediondo.

Crime de aborto

O aborto, de acordo com o Código Penal brasileiro, é um crime tipificado em cinco artigos, segundo informa a UOL. A pena mais dura, de três anos, recai sobre a gestante praticante do aborto ou que o consente. Os parlamentares querem que essa pena seja ampliada para, no mínimo, quatro anos e meio e tornar o aborto hediondo significa a perda de progressões e indulto.

A decisão do STF

O ministro do STF Luís Roberto Barroso, em entrevista dada ao UOL, esclareceu que a decisão do colegiado não defende a prática do aborto, mas acredita que ela possa fomentar a adoção de políticas públicas para evitar o aborto, que não sejam as de criminalização.

A decisão do STF foi sobre um caso específico de funcionários e médicos de uma clínica de aborto em Duque de Caxias (RJ) e não tem efeito sobre a legislação que regula o tema no Brasil.

Barroso enfrenta críticas à decisão afirmando que, em uma democracia, nenhum tema deve ser tabu. Pelo contrário, deve ser discutido pela sociedade. A decisão valoriza a vida, pois pretende contribuir para o fim dos abortos clandestinos, que causam a dor e a morte de milhares de mulheres, a maioria pobres.

Os principais pontos considerados na decisão do STF

O ministro ressalta que dois pontos importantes foram considerados na decisão: a questão da mulher em si, da condição feminina e da sua liberdade de viver as suas escolhas existenciais. E a questão social, que também tem de ser levada em conta, pois a criminalização do aborto impacta a vida de mulheres pobres, já que elas não têm acesso a medicamentos adequados e informações. “A criminalização funciona no Brasil como mais um mecanismo de discriminação social”, argumenta Barroso.

A assessora técnica Jolúzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), elogiou o entendimento do STF: “O Supremo abre um precedente importante para avançarmos na questão da descriminalização do aborto”.

Direitos fundamentais constitucionais

Barroso defende que os direitos fundamentais, previstos na Constituição, devem ser sempre protegidos de crenças conservadoras, liberais e progressistas. Não se pode obrigar, pela força da lei, uma mulher a levar uma gestação não desejada. A lei deve garantir que cada pessoa exerça as suas crenças e não criminalizar posições divergentes. Logo, o Estado deve garantir que cada um viva a sua própria crença.

Em países democráticos o aborto é permitido até o terceiro mês de gestação. O ministro baseou o seu voto na experiência de outros países e explicou que um argumento religioso não pode ser considerado em um debate público, pois existem pessoas que têm sentimentos religiosos diferentes. Os argumentos para tratar da coisa pública são laicos, para garantir o respeito e a consideração sobre as circunstâncias de vida do outro.

Colocar-se no lugar do outro

Nenhuma mulher deseja fazer um aborto. Por isso, como disse Barroso, devemos ter um sentimento de empatia sobre as motivações que levam uma mulher a fazê-lo. A maioria delas não tem o apoio do genitor da criança e nem da família. Mulheres com melhores condições financeiras têm mais chances de fazer um aborto bem-sucedido e de não serem, pois criminalizadas.

Além de o aborto tocar na questão da condição feminina, o que provoca reações machistas, toca também em uma questão social, já que as principais vítimas são mulheres pobres, que já vivem em extrema fragilidade emocional e financeira. É preciso fazer um exercício de nos colocarmos no lugar de uma pessoa nessa situação e que recorre a essa saída desesperada.

Aborto, um crime hediondo?

Devemos indagar as motivações do Congresso em querer que o aborto seja crime hediondo e de que o mesmo não seja aplicado a pais que abandonam seus filhos, não os registram e nem pagam pensão alimentícia. Será por que a maioria dos nossos parlamentares são homens “julgando” mulheres? Pense em tudo isso antes de opinar contra ou a favor da criminalização do aborto. Opiniões devem ser formadas, e não deformadas.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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