Cerveja amarga: Ambev e Heineken envolvidas com trabalho escravo


Essa notícia não vai descer nem redonda nem gelada, pois mostra um gosto muito amargo da cerveja.

A Venezuela, desde 2018, vem passando por uma grave crise econômica, acentuada ainda mais pela pandemia do novo coronavírus. A exploração da mão-de-obra de qualquer pessoa já seria um ato de desumanidade. Quando isso ocorre sabendo-se da crise em um país, é ainda mais trágico. E foi exatamente desse cenário que a Ambev e a Heineken se aproveitaram para ter mais lucro.

A crise na Venezuela tem feito milhares de venezuelanos buscarem uma nova oportunidade de vida no Brasil. Entretanto, ao migrarem para o país vizinho, nem sempre encontram acolhida.

Uma ação do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas, do Ministério da Economia, realizada em março deste ano, resgatou 23 estrangeiros explorados em condições análogas à escravidão pelas empresas cervejeiras Ambev e Heineken. Os 23 trabalhadores resgatados receberão R$ 657.270 reais de indenização, cerca de R$ 28.576 reais para cada, segundo apuração do El Pais.

Os imigrantes são todos oriundos de países em conflitos humanitários: vinte e dois são da Venezuela e um, do Haiti. Eles passaram mais de um ano vivendo na boleia de caminhões, nas cidades de Limeira e Jacareí (SP), sem que tivessem direito a alojamento, conforme previsto no contrato de trabalho que assinaram com as empresas, e água potável.

Além disso, não tinham descanso semanal e executavam jornadas de trabalho extenuantes. A Sider também cobravam dos imigrantes taxas e descontos, como cobrança pela concessão de roupa de trabalho e a nacionalização da Carteira Nacional de Habilitação.

Um dos resgatados ouvidos pela reportagem de El Pais contou que, se o pneu do caminhão furasse, era descontado do salário dele. Os colegas se revezam para ajudar a cobrir esse tipo de despesa. Ao reclamarem com o supervisor dessas situações abusivas, ouviam: “se não gosta disso, então que volte para a Venezuela para passar fome” – declaração eivada de xenofobia.

A defesa da Heineken e da Ambev

A Heineken e a Ambev defenderam-se alegando que a fiscalização da situação de trabalho dos imigrantes deveria ser feita pela Sider, terceirizada contratada por elas. Entretanto, o Ministério da Economia entende que as ambas empresas são responsáveis por terem agido com “cegueira deliberada ao ignorar a devida verificação do cumprimento” das leis envolvendo a transportadora, visando apenas ao lucro “em detrimento de normas de proteção do trabalho”.

As condições de trabalho impostas pelas empresas colocaram não apenas a vida dos trabalhadores em risco como de outras pessoas, já que dirigiam fatigados. Para agravar o quadro, a Sider promovia a oferta de venda de folgas aos trabalhadores, o que é ilegal. Sem terem aonde ir, visto que viviam no caminhão, e desesperados para ganhar dinheiro para enviá-lo às famílias em seus países de origem, a maioria dos imigrantes aceitava a proposta.

A auditora fiscal do trabalho Lívia dos Santos Ferreira explicou a El Pais que a responsabilização da Heineken e da Ambev se deve ao fato de que a Lei da Terceirização exige a garantia de condições de saúde e segurança por parte da contratante. Segundo o relatório da ação, o Grupo Heineken:

“Falhou ao escolher e contratar a Sider como sua prestadora de serviços de transporte, falhou ao não fiscalizar e exigir o cumprimento da legislação trabalhista pela contratada, e, por último, falhou ao não garantir diretamente as condições de higiene, saúde e segurança do trabalho resgatados no curso do contrato de terceirização de serviços ora analisado (responsabilidade direta)”.

Em relação à Ambev:

“Resta incontroversa a imputação de responsabilidade, pelas condições de trabalho a que foram submetidos os 23 motoristas profissionais, aos contratantes Ambev e Grupo Heineken”.

Nota da Ambev

A assessoria de comunicação da Ambev entrou em contato conosco, informando o que segue:

“Assim que tomamos conhecimento da denúncia envolvendo a Sider, uma transportadora que presta serviços para a Ambev e outras empresas, imediatamente garantimos que os motoristas contratados pela fornecedora fossem levados para um hotel, onde foram acolhidos e receberam todo o suporte necessário. O nosso compromisso com os direitos humanos e fundamentais dos trabalhadores é inegociável e qualquer prática contrária a isso é inaceitável. Ao investigar o caso, verificamos que os motoristas chegaram ao Brasil de forma legal, com o apoio do governo, tinham carteira assinada e recebiam o salário da categoria. No entanto, as autoridades afirmaram que tinham jornada de trabalho excessiva e alguns não possuíam residência fixa, o que é inadmissível. Seguindo as orientações e com a concordância dos auditores fiscais do trabalho, garantimos o pagamento de todas as verbas e indenizações trabalhistas e que a transportadora providenciasse o retorno dos motoristas ao local de origem ou a vinda de seus familiares, conforme escolha de cada um. Temos há mais de 15 anos um trabalho sério de gestão das transportadoras, com um rigoroso processo de contratação, auditorias periódicas e monitoramento, a cada carregamento, da segurança dos motoristas e veículos. A grande maioria dos nossos fretes é feita por transportadoras dedicadas, que são fornecedores fixos. Uma parcela pequena é feita por transportadoras spots, que são contratadas conforme a demanda. A Sider opera no modelo de fretes spots, representando menos de 1% das nossas contratações. Já iniciamos uma revisão dos nossos processos de fiscalização e apoio às transportadoras spots, para que situações como essa nunca mais se repitam. Entre as medidas que já estão sendo colocadas em prática estão o fortalecimento dos nossos processos de auditoria, novos treinamentos e a criação e monitoramento constante de métricas de identificação de irregularidades na gestão de pessoas.”

O consumo consciente não deve fazer bem apenas para o nosso bolso e para o meio ambiente, mas deve impactar, também, a sociedade.

Antes de tomar uma cerveja, ou de comprar qualquer outra coisa, investigue as condutas das empresas que produzem o que você consome.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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