Estamos na era das cadeiras, o novo tabagismo


O fato de passarmos horas a fio sentados tem nos levado a vários problemas de saúde. Esse hábito recente tem trazido alguns questionamentos sobre a funcionalidade das cadeiras em nossas vidas.

Uma reportagem da BBC Future investigou em obras literárias de diferentes épocas a menção à palavra “cadeira”. Nem na Bíblia nem nos versos de Homero há uma única referência a esse objeto, tampouco na peça Hamlet, escrita em 1599 por William Shakespeare. Já no século XIX, Charles Dickens menciona a palavra cadeira 187 vezes em seu livro A casa soturna. O que terá ocorrido durante todo esse tempo que fez a cadeira habitar as nossas vidas e o nosso imaginário?

O ato de ficarmos sentado por muito tempo tem sido comparado a um “novo tabagismo”, por ser bastante nocivo à saúde humana. As cadeiras, objetos por excelência desse hábito relativamente recente, são praticamente impossíveis de serem eliminadas de nossos ambientes, seja em casa, seja no trabalho, seja em centros de lazer.

O professor Vybarr Cregan-Reid escreveu uma série de artigos, que foi publicada no site de notícias acadêmicas The Conversation, em decorrência de sua pesquisa para um livro no qual investiga sobre como o mundo que criamos interfere nos nossos corpos. A descoberta de Cregan-Reid foi de que esse objeto, a cadeira, hoje tão comum, era praticamente inexistente em outros tempos.

Cregan-Reid calcula que haja cerca de 60 bilhões de cadeiras no mundo, tomando como base estimativa a proporção de 8 a 10 cadeiras por pessoa. A cadeira seria, portanto, o símbolo da nossa era geológica, o Antropoceno, época que marca o impacto do homem sobre o Planeta.

Simbolismo da cadeira

De acordo com o especialista, são várias as razões da existência e proliferação de cadeiras no planeta. Seriam elas uma combinação de moda, política, trabalho, conforto.

A cadeira tornou-se mais frequente no século XVI e popularizou-se com a Revolução Industrial. Embora antes do século XVIII fosse fácil conseguir uma cadeira, o difícil era dar a ela uma utilidade, uma função social.

Durante séculos, a cadeira esteve associada ao símbolo de poder e status elevado. No meio acadêmico, por exemplo, diz-se de um professor de alta posição que ele ocupa uma “cadeira”. Em inglês, o presidente ou a presidenta de uma empresa são denominados de “chairman” ou “chairwoman”. Sem falar que nas melhores cadeiras dos escritórios sentam-se os chefes.

Democratização da cadeira

As cadeiras passaram a ser democratizadas com a Revolução Industrial por causa da mudança nas novas formas de trabalho. O trabalho fabril que vigorou durante o período vitoriano, no Reino Unido, era realizado em pé pelos operários. Sem falar nas pessoas que trabalham no campo, em pé. Com o fim do século XIX, veio a segunda onda da revolução tecnológica e, com ela, o aceleramento de invenções, tais como a máquina de escrever e o telégrafo, que deram origem a novas funções no mercado de trabalho.

Uma nova categoria de funcionários de escritório nasce. Em 1851, o censo do Reino Unido quantificou cerca de 44 mil pessoas realizando tarefas administrativas. Em duas décadas, esse perfil de trabalhador mais que duplicou. Hoje, esses trabalhadores sedentários são maioria. Há todos os lugares aonde vamos, vemos pessoas trabalhando sentadas, com algumas exceções, como os carteiros.

Também no quesito diversão, a cadeira foi ganhando assento. No século XIX, os burgueses liam romances sentados, depois vieram o cinema, a televisão, o videogame, o computador. Nossas atividades, hoje, são mediadas por uma tela que nos faz ficar quietos e sentados.

A era do Antropoceno exige dos seres humanos um comportamento sedentário e a cadeira tem aí uma função primordial.

E como fica a saúde?

A Fundação Britânica do Coração (British Heart Foundation) realizou uma pesquisa que concluiu que somos sedentários cerca de 9,5 horas do dia. Isso representa estar em inatividade por cerca de 75% do tempo.

sentados

Nosso corpo é formado por tecidos moles e duros. Os músculos e os ossos funcionam se os usamos e ficam fragilizados se não os colocamos para funcionar. Se permanecemos muito tempo sentados, a maior parte da nossa musculatura das costas enfraquece, gerando dor nas costas – causa número de incapacidade no mundo.

As principais causas de morte dos humanos modernos provêm de distúrbios metabólicos, como: diabetes, doenças cardíacas, câncer e o uso da cadeira.

O uso da cadeira está relacionado ao distúrbio da inatividade, que, segundo um estudo feito em 2012 com 7.813 mulheres, revelou que aquelas que ficaram sentadas por dez horas por dia envelheceram biologicamente por cerca de oito anos.

Outros estudos sugerem que pequenos exercícios não seriam suficientes para compensar os efeitos de uma postura sentada por longos períodos. Isso significa que é urgente manter uma rotina vigorosa de exercícios físicos para equilibrar o tempo despendido sentado em uma cadeira.

A era dos frangos

E como se não bastasse essa tamanha mudança de hábito em nossas vidas, causado pelo surgimento das cadeiras, um outro marco que os cientistas vem chamando para nos representar no Antropoceno é o frango. O animal mais consumido no mundo também teve toda a sua morfologia modificada pelo homem que, para comercializar sua carne, fez do frango um animal praticamente artificial: que nasce em uma estrutura comercial, por métodos comerciais, vive em um ambiente artificial cheio de luz para que eles se alimentem o tempo todo, e engordem o mais rápido possível para o abate, ou botem o maior número possível de ovos.

Um horror!

Se você ficou na dúvida sobre qual cenário melhor nos representa nesta época que marca o impacto do homem sobre a Terra, (o Antropoceno), você pode imaginar então um homem sentado em uma cadeira comendo frango. Este homem somos nós. Triste realidade.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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