Bolsonaro quer, mas não pode festejar golpe militar


Embora a democracia brasileira esteja cambaleando, ao menos constitucionalmente ainda somos um Estado de Direito. Entre muitas coisas, isso significa que ninguém, nem mesmo o Presidente da República, pode fazer o que lhe der na telha.

Após a declaração do porta-voz da Presidência da República, nessa segunda-feira, de que Bolsonaro “determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação ao 31 de março”, quando o golpe de 1964 completará 55 anos, a opinião pública mostrou o seu repúdio a esse novo delírio presidencial.

Já sabemos que Jair Bolsonaro, ex-militar, não considera o golpe de 1964 um golpe militar. Essa é a opinião dele, mas contra ela existe um fato histórico, muito bem documentado aliás.

Mais um desses fatos acaba de ser revelado no livro “Cativeiro sem Fim”, a ser lançado em abril, que relata o caso de crianças sequestradas e adotadas ilegalmente por militares durante a ditadura brasileira, conforme noticiou O Globo. A maioria dessas crianças eram filhas dos envolvidos na Guerrilha do Araguaia.

Enfim, para quem ainda tem um cérebro dentro da cabeça basta buscar fontes confiáveis, e não tuítes, sobre a ditadura militar no Brasil e na América Latina para entender o que vem acontecendo ao sul da linha do Equador.

Repúdio

Procuradores do Ministério Público Federal (MPF) mostraram-se indignados com a declaração de Bolsonaro sobre a comemoração da ditadura de 64. Segundo eles:

“Não bastasse a derrubada inconstitucional, violenta e antidemocrática de um governo, o golpe de Estado de 1964 deu origem a um regime de restrição a direitos fundamentais e de repressão violenta e sistemática à dissidência política, a movimentos sociais e a diversos segmentos, tais como povos indígenas e camponeses”, informa a revista Época.

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, órgão ligada ao MPF, emitiu uma nota de repúdio à comemoração encomendada por Bolsonaro ao Ministério da Defesa. O MPF, em uma tentativa de recuperar a memória dos brasileiros, destaca, ainda, o que ocorreu em 1º de abril daquele ano:

“Embora o verbo comemorar tenha como um significado possível o fato de se trazer à memória a lembrança de um acontecimento, inclusive para criticá-lo, manifestações anteriores do atual presidente da República indicam que o sentido da comemoração pretendida refere-se à ideia de festejar a derrubada do governo de João Goulart em 1º de abril de 1964 e a instauração de uma ditadura militar“.

Os procuradores federais Deborah Duprat, Domingos Sávio Dresch da Silveira, Marlon Weichert e Eugênia Augusta Gonzaga, que assinam a nota do MPF, trazem à tona as descobertas da Comissão Nacional da Verdade, instaurada durante o governo de Dilma Rousseff e que desagradou, por razões óbvias, os militares:

“Os órgãos de repressão da ditadura assassinaram ou desapareceram com 434 suspeitos de dissidência política e com mais de 8 mil indígenas. Estima-se que entre 30 e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas“.

Além desses dados já quantificados, o MPF recorda que foram realizadas durante a ditadura militar execuções sumárias, o desaparecimento de pessoas, o extermínio de povos indígenas e a prática de tortura e violência sexual:

“Não foram excessos ou abusos cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes da República”, escreveram os procuradores.

Lamentavelmente, quando deputado, o atual presidente do país já declarou diversas vezes compactuar com essa política de governo praticada durante os anos de chumbo. Agora que está no cargo mais alto do Executivo federal deveria, ao invés de festejar 1964, sentar com a sua equipe para buscar soluções para temas que interessam a toda a sociedade brasileira, como emprego, segurança pública, saneamento básico, segurança alimentar, meio ambiente, demarcação de terras, direitos humanos, ou seja, o atual governo deveria estar preocupado em construir uma agenda coletiva para que possamos pensar em um futuro para o Brasil.

Mas, como bem disse Leonardo Sakamoto em seu blog na Uol:

“Bolsonaro quer celebrar 1964 porque não sabe como construir 2019”.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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