E-book reúne histórias de cientistas mulheres brasileiras


Quando alguém pensa em um cientista, o esquema mental acionado, na maioria das vezes, é o de um homem em um laboratório. Essa imagem estereotipada reduz não só a própria atividade científica como o sujeito que faz ciência.

A ciência se desenvolve a partir de hipóteses, métodos de análise e teorias construídas por mulheres e homens que não se acomodam a simplesmente ver a realidade como ela é, mas que buscam entendê-la como uma construção social e/ou como a natureza se manifesta nessa realidade.

Em muitas áreas do conhecimento, a presença de mulheres é, ainda, tímida. Há áreas, inclusive, em que os trabalhos científicos encabeçados por mulheres são alvo de preconceito, como se eles fossem menos relevantes.

Se fazer ciência não é fácil, muito mais difícil é estar no nicho científico sendo mulher.

A bióloga Rafaela Salgado Ferreira, que recebeu, em 2018, o International Rising Talents, um prêmio international para talentos promissores da ciência, reflete que:

“Quando nós analisamos os números, as estatísticas, no mundo inteiro, apenas um terço dos cientistas são mulheres. Quando analisamos os cargos mais elevados, só cerca de 10% são ocupados por mulheres. Então, nós ainda temos um problema, sim, de desigualdade”.

A bióloga está presente, junto com mais nove mulheres, no e-book Mulher faz Ciência: dez cientistas, muitas histórias, um projeto lançado pelo Minas Faz Ciência para o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, este último comemorado em 11 de fevereiro – data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2016, informa o site Minas faz Ciência.

No e-book, Rafaela conta a sua trajetória, que começou no Colégio Técnico da UFMG, depois sendo participante do programa de vocação científica do Centro de Pesquisas René Rachou, ligado à Fundação Oswaldo Cruz, até ocupar o cargo de docente do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG.

Em entrevista, a professora analisa o contexto da ciência brasileira para a mulher, no qual existe um “preconceito implícito”. Ela ilustra esse preconceito com o seguinte caso:

“Foi dado a várias pessoas exatamente o mesmo currículo para elas avaliarem. A única diferença era que em um currículo foi colocado o nome de um homem e, no outro, o nome de uma mulher. O currículo do homem foi melhor avaliado e o salário proposto para o homem foi mais alto”, revela.

As mulheres que fazem ciência

Dentre as demais pesquisadoras que contam as suas narrativas de vida na atividade científica estão a historiadora e escritora Aline Pachamama, que pesquisa e escreve sobre a temática indígena; a bióloga Fernanda Staniscuaski, fundadora do projeto Parent in Science[leia entrevista na edição nº 74 da revista Minas faz Ciência]; a cientista da computação Ingrid Splangler; da física Márcia Barbosa; a técnica em Meio Ambiente Myllena Crystina da Silva; a bióloga Natália Oliveira; a arquiteta e urbanista Priscila Gama; a astrônoma e vulcanóloga Rosaly Lopes e a professora de Física Experimental Sônia Guimarães.

Esta última é a primeira mulher negra a obter o título de doutora em Física no Brasil. Sônia avalia a importância da política de cotas instituída no Brasil como um passo fundamental para possibilitar o acesso de estudantes negros às instituições públicas de ensino superior.

Já Aline Pachamama, fundadora da Pachamama editora, comenta que o silenciamento sobre as narrativas indígenas é outra negligência histórica, assim como o racismo, que é um obstáculo para os negros – sobretudo, as mulheres negras – fazerem ciência no Brasil. A visão também estereotipada do indígena brasileiro o retira não apenas do contexto educacional, mas, sobretudo, torna-o uma figura invisível na educação superior e no fazer científico.

O objetivo da publicação é inspirar e encorajar meninas e mulheres que querem construir uma carreira científica a se mirarem nos exemplos de mulheres que superaram todos os obstáculos que as afastavam da ciência.

Efeito Scully

A participação de mulheres na ciência é tão menor do que a dos homens que até a série Arquivo X, muito popular durante a década de 90 e nos anos 2000, chamou atenção para isso ao construir uma personagem feminina, a agente Scully, com atributos culturalmente associados a homens e o seu parceiro, o agente Mulder, com características mais passionais, estereotipadamente relacionadas a mulheres.

Dana Scully é uma médica e agente do FBI e uma mulher forte, determinada e independente. O tal “efeito Scully” fez a Fox, canal produtor da série estadunidense, a realizar uma pesquisa com o apoio do Instituto Genna Davis, especializado em pesquisas e ações sobre o protagonismo feminino no audiovisual, informa o site Delirium Nerd, que a propósito conta com uma equipe apenas de redatoras.

Em comemoração ao mês de março, mundialmente um mês de lutas para as mulheres, essa parceria resultou em uma pesquisa que detectou uma correlação entre as escolhas profissionais de mulheres que assistiram à série Arquivo X e Dana Scully. Basicamente, essas mulheres, em suas carreiras, queriam ser a exitosa agente.

De acordo com o Delirium Nerd, os dados da pesquisa são estes:

1. quase dois terços das mulheres que trabalham nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática dizem que a agente Scully serviu como modelo e aumentou a crença de cada uma na importância dessas ciências exatas;

2. as mulheres que assistiram regularmente Arquivo X têm 50% mais possibilidades de trabalhar nessa área que as mulheres que assistiram menos ou que nunca assistiram a série;

3. as mulheres que assistiram têm 42% mais probabilidade de encorajar filhas ou netas a seguirem estas carreiras que as mulheres que não assistiram.

Esses dados revelam como a representatividade é fundamental no imaginário social. Se uma garota não vê representada uma mulher forte, cientista, profissional bem-sucedida, inteligente, politizada, etc., fica parecendo que não existem mulheres com esses atributos no mundo. Os homens, ao contrário delas, são representados com atributos super-heroicos o tempo todo, o que contribui para a sua autoestima e para a imagem de que para eles as oportunidades estão muito mais acessíveis.

Mesmo passados muitos anos desde o início da série Arquivo X, ainda hoje a representatividade da mulher na ciência – na vida real e no audiovisual – precisa receber mais destaque, a fim de estimular qualquer mulher que queira seguir uma carreira científica.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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