Brasil também tem prisão modelo: humanização e zero chacina


O Brasil está passando por graves acontecimentos na segurança pública. Mais uma chacina em presídios entra para a história do nosso país e nos instiga a refletir sobre o modelo que o país adota para tutelar os seus detentos. Sabemos que o crime organizado está fora e dentro das prisões, e as consequências disso para a sociedade e para a população carcerária têm efeitos reais nas vidas das pessoas.

Os nossos presídios tratam os presos de forma desumana. Nas nossas cadeias e penitenciárias, os presos sofrem com superlotação, ociosidade, má alimentação e o medo, já que precisam fazer alianças com os membros do crime organizado para sobreviverem e garantirem a segurança de suas famílias. Como se diz popularmente, as nossas cadeias são “escolas do crime”.

Modelo inovador e inspirador

Embora poucos, existem alguns exemplos inspiradores de encarceramento com vistas a construir uma relação humanizada com os detentos. Um deles é a Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (APAC), onde os detentos não usam algemas e não passam por situações de violência enquanto cumprem as suas penas.

No Brasil, 82% dos presidiários são reincidentes, o que demonstra que há algo de muito errado no nosso sistema penitenciário. De acordo com o jornal Nexo, de 1990 a 2014 o número de presos passou de 90 mil para 600 mil, um crescimento de 575%. Mais um ponto contra o nosso sistema prisional, que vem se mostrando insustentável para o poder público.

Humanização

Para a APAC, toda pessoa é recuperável, por isso lá o preso é tratado como um ser humano que merece respeito e acolhimento. Dois mil detentos, com penas inferiores a dez anos, são atendidos pela APAC.

Na APAC, os presos não usam uniformes e não são identificados por números. Eles têm a oportunidade de estudar e aprender um ofício, já que são oferecidos cursos, palestras, oficinas. Além disso, eles mesmos cuidam da limpeza e da alimentação e cumprem horários. Os detentos recebem assistência jurídica, espiritual, psicológica e médica por uma rede de voluntários da comunidade de Itaúna (MG).

O método de ressocialização humanizada foi finalista no Prêmio Innovare, da Justiça Brasileira, criado em 1973 pelo advogado Mario Ottoboni. Nele, a reincidência é de apenas 10%, número muito menor se comparado com as cadeias tradicionais. Isso acontece porque aos detentos é oferecida uma chance para recomeçar através de um tratamento digno.

Além disso, o custo do detento é muito menor na APAC, um salário mínimo e meio, enquanto nas cadeias tradicionais cada detento custa ao Estado quatro salários mínimos.

Papel do Estado

O Razões para Acreditar conversou com o ex-presidiário L.S.S, para quem a culpa pelo recente massacre no presídio de Manaus é responsabilidade do próprio Estado. “Primeiro acho que deveriam separar os presos de acordo com o grau do crime cometido, porque um homem que roubou um pacote de bolacha não pode ficar junto de quem cometeu um assassinato, por exemplo. Segundo é que a Justiça não acelera seus processos para liberar logo quem nem deveria estar na cadeia. Terceiro é que se não há ocupação, trabalho mesmo, para quem está atrás das grades, a chance de fazerem loucuras lá dentro é imensa. É preciso ocupar essas pessoas para que elas consigam retomar suas vidas dentro e fora da cadeia”.

Quando uma pessoa é presa, ela passa a ser responsabilidade do Estado, logo ele deve prover cuidados básicos e assistenciais para que essa pessoa tenha meios de recomeçar a sua vida depois de cumprir a sua pena. Além disso, se o percentual de reincidência é altíssimo, a sociedade, além do preso, paga duas vezes pelo problema: primeiro, porque é ela quem custeia o detento enquanto está encarcerado e, segundo, porque novamente ela será vítima de um delito.

Modelo de prisão revela modelo de sociedade

Bandido bom não é bandido morto, ao contrário do que pensa mais da metade da nossa população. A todas as pessoas deve ser oferecida, de forma digna, uma outra chance. E é isso que se vê, por exemplo, na Holanda, que fecha suas prisões por falta de detentos. Ali, eles são tratados simplesmente como gente.

É evidente que nosso sistema prisional não apenas não funciona como incrementa a bola de violência que nossa sociedade vive e revive. É hora de mudar nossos conceitos. E os exemplos mostram isso.

Veja o vídeo histórico da APAC:

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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