Os desafios da educação indígena no Brasil


Quem já estudou uma segunda da língua sabe da importância para a aprendizagem de professores capacitados e de materiais didáticos adequados.

Imagina, então, aprender uma outra língua desconectada da cultura, da história e dos hábitos de um povo? Essa dificuldade, relatada pela Agência Brasil, vem sendo enfrentada por muitas crianças e jovens indígenas. De acordo com Censo Escolar 2015, realizado pelo Ministério da Educação (MEC), cerca da metade das escolas indígenas têm material didático específico para o grupo.

Especialistas em educação dizem que esse cenário é comum e que os indígenas raramente têm acesso a materiais em suas próprias línguas, os quais, geralmente, são elaborados por profissionais de outra etnia. Para piorar, muitos exemplos dos materiais didáticos usam elementos que nem fazem parte de seu mundo e de experiências, como elefantes e girafas, animais não originários da fauna brasileira.

Os povos indígenas compõem 0,47% da população brasileira, isto é, eles são 817.963 habitantes pertencentes a 305 etnias e falantes de 274 línguas. 502.783 deles vivem na zona rural e 315.180, em zonas urbanas, segundo dados do Censo Demográfico, realizado pelo IBGE, em 2010.

“A educação indígena apresenta os mesmos desafios (de inclusão escolar, desempenho e evasão) da educação básica, com grau de dificuldade ainda maior pela especificidade de atendimento a essas populações. O grande número de diferentes grupos indígenas coloca uma dificuldade adicional”, diz Alejandra Meraz Velasco, superintendente do programa Todos Pela Educação. “Certamente, a desigualdade não aparece apenas nesses itens, a qualidade da educação está comprometida como um todo”, complementa ela.

O uso de material didático específico para os povos indígenas vem crescendo desde 2010 com algumas oscilações. Nesse ano, 50,5% das escolas trabalhavam com material específico; em 2013, o percentual passou para 56,7% e, em 2014, houve uma ligeira queda, indo para 50,6%.

Miscelânea de materiais e culturas

Os estudantes da aldeia Sowaintê, em Rondônia, usam livros da etnia tupinambá, da Bahia. “São contextos bastante diferentes, cada povo tem sua história e cultura, não somos iguais. Fazer material didático só para uma ou outra não é certo, acabamos trabalhando a história de outro povo, não a nossa”, reflete Ivonete Sabanê, professora da aldeia.

A professora, hoje, é aluna do curso de licenciatura em educação básica intercultural para povos indígenas da Universidade Federal de Rondônia (Unir). Interessada em atender às necessidades de sua comunidade, ela elaborou junto com os seus alunos um livro com textos e ilustrações que contam a história de seu povo. Ela pretende transformá-lo em material didático, para o livro ser utilizado em toda a aldeia. “Serve para depois, quando os mais velhos não estiverem mais aqui, [os mais jovens] entenderam toda a história do povo, porque ela estará registrada. Eles poderão repassar para as novas gerações e também aprofundar, procurar saber mais”.

Joaquim Mana Hunikuin nasceu na aldeia Praia do Carapanã, no Acre, e, hoje, é doutor em Linguística e trabalha na Secretaria de Educação do estado. Para ele, “quando um povo decide trabalhar seu conhecimento oral na forma de escrita, precisa de vários materiais. Primeiro de alfabetização e depois da sequência dessa formação”.

Os povos indígenas têm necessidades similares: querem produzir o seu próprio material didático, mas precisam de conhecimento técnico-científico para analisar a sua língua e definir qual será usada na escola. É do material externo que eles aprendem a língua portuguesa.

Joaquim comenta que chegam alguns livros nas aldeias que não dialogam com a realidade das povos. Embora haja intenção de os próprios indígenas produzirem materiais específicos, o contexto econômico não lhes favorece, pois não há recursos para a edição desses materiais.

A coordenadora do Laboratório de Línguas Indígenas da Universidade de Brasília (UnB), Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, aponta outro problema: a formação de professores. “Material didático não adianta. Os professores têm que ter formação adequada para usar esses materiais. Uma escola pode ter muitos materiais para ensino de língua nas escolas indígenas, mas, se não tiver treinamento, se os professores não souberem como fazer, não adianta ter material, que não vai servir para a educação indígena”, afirma.

O MEC explica que a oscilação da oferta de materiais didáticos específicos se deve ao aumento das escolas indígenas. O Ministério diz, ainda, que prioriza a preparação do material por autores indígenas e a produção em contextos de formação de professores indígenas no magistério intercultural. Entretanto, admite que a maioria dos materiais é elaborada para atender as séries iniciais do ensino fundamental, havendo uma grande lacuna para o ensino médio.

O grande desafio, segundo o MEC, é aumentar a oferta de educação básica nas escolas indígenas do país, considerando a tarefa de formar professores para os ensinos fundamental e médio. As licenciaturas interculturais indígenas são oferecidas, de acordo com o MEC, em 20 instituições de ensino superior públicas. Até 2015, 1.961 professores indígenas foram habilitados por essas universidades.

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Fonte foto: revistaescola




Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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