O apetite chinês por carne fresca e o coronavírus alimentam a nossa hipocrisia


De acordo com informação publicada pela AFP na manhã desta segunda-feira (27), cientistas da Universidade de Hong Kong (HKU) lançaram um alerta quanto à aceleração da propagação do coronavírus. Só nas últimas 24 horas, o número de casos suspeitos dobrou e se aproxima de 6 mil.

Diante da possibilidade de uma epidemia mundial, multiplicam-se as notícias sobre os hábitos alimentares dos chineses e os ambientes por onde circulam os animais durante toda a cadeia produtiva, o que facilmente pode descambar para um sentimento geral de repulsa pela cultura do país asiático. Mas será que, por trás dessa aversão, não se esconde uma necessidade de nos sentirmos mais virtuosos, desviando-nos, ainda que momentaneamente, das nossas próprias atitudes e responsabilidades?

Carne fresca, recém-abatida

Uma reportagem publicada recentemente no britânico The Guardian descreveu o cotidiano em um mercado de Wuhan, no leste da China, e abordou a preferência dos chineses por comprar carne fresca e recém-abatida nos açougues locais em vez de recorrer aos ambientes mais “ocidentalizados”, onde é possível consumir carne refrigerada ou congelada. Esse hábito é, segundo os especialistas entrevistados, um fator que torna praticamente impossível o controle de doenças, uma vez que essa demanda significa, na prática, uma grande circulação de animais vivos em ambientes propícios à propagação de vírus e bactérias.

Um dos personagens da reportagem é Dirk Pfeiffer, um professor alemão da faculdade de medicina veterinária da Universidade da cidade de Hong Kong. Ele conta que o termo “carne fresca” soa nojento para ele, que cresceu consumindo carne refrigerada ou congelada, e tenta mostrar para os alunos que a preferência cultural deles não faz sentido e é baseada no que chamou questões “vagas”, como o melhor sabor da carne ou a confiança na pessoa de quem eles compram nos mercados locais.

No entanto, o professor Pfeiffer não faz menção, pelo menos não na reportagem em questão, ao fato de que o consumo de carne, em geral, é uma fonte de males.

Menos carne, mais saúde!

Há alguns meses, a ONU publicou um relatório, assinado pelos maiores especialistas do planeta, enfatizando que o estilo de vida dos países mais ricos é incompatível com o bem-estar do planeta, incluindo os hábitos alimentares. O documento não deixou dúvida: uma dieta vegana é a mais adequada.

Recentemente, diante da gravidade do coronavírus e em sintonia com o que disse a ONU, a PETA lançou um manifesto em prol da dieta vegana, lembrando que os cientistas alertam há anos para o fato de que o consumo de carne, além de provocar sofrimento aos animais, também compromete a saúde humana, pois as fazendas são criadouros de novas “superbactérias” resistentes a antibióticos.

“Alguns estudos afirmam que até 2050, mais pessoas estarão morrendo de doenças resistentes a antibióticos do que de câncer”, afirma o texto. “As Nações Unidas descobriram que 70% das novas doenças humanas eram originárias de animais e muitas delas estavam diretamente ligadas a animais usados ​​para alimentação. A Organização Mundial de Saúde diz que a carne processada causa câncer. Enquanto isso, uma dieta vegana reduz o risco de muitas doenças e condições degenerativas crônicas, incluindo doenças cardíacas, câncer, obesidade, hipertensão e diabetes tipo 2”.

Hipocrisia

Vale aqui a reflexão: será que os chineses, com seus hábitos alimentares “nojentos”, não acabam funcionando como um “purificador” de consciências que estão longe de serem limpinhas?

Casos como esse, bem como os desastres ambientais dos últimos tempos, tornam evidente que estamos todos conectados de alguma forma. Uma doença na Ásia pode potencialmente se alastrar para qualquer parte do mundo, assim como incêndios na Amazônia ou na Austrália afetam a vida como um todo. A busca por solução, e não por culpados pontuais, é um compromisso da humanidade como um todo.

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Gisele Maia

Jornalista e mestre em Ciência da Religião. Tem 18 anos de experiência em produção de conteúdo multimídia. Coordenou diversos projetos de Educação, Meio Ambiente e Divulgação Científica.


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