Holanda fecha prisões por falta de detentos


É verdade que a Holanda vem fechando prisões porque faltam criminosos? Sim! Uma reportagem da BBC conta os detalhes dessa história, que tem a ver com administração carcerária, crise econômica e, principalmente, com uma dimensão que pouco valorizamos: a vida humana.

O pequeno país europeu não encontrou uma fórmula mágica para enxugar o seu sistema prisional, mas percebeu que uma série de fatores deveriam estar interligados para fazer com que a valorização à vida reintegrasse pessoas.

Brasil x Holanda

No Brasil, as prisões estão lotadas de presos que não têm garantidos os direitos humanos, chacinas são feitas à luz do dia e o ambiente prisional funciona como uma escola do crime. Esse cenário desolador não é o encontrado nas prisões holandesas. Lá a taxa de reincidência criminal é baixíssima porque cada preso é tratado individualmente. Se um detento tem problemas com drogas, o seu vício será tratado; se tem dívidas, é oferecido a ele uma consultoria em finanças. O que está em jogo ali é tratar o problema que levou a pessoa a ser presa, dando-lhe condições de organizar a sua vida fora da prisão, de dentro dela.

Jan Roelof van der Spoel, vice-diretor da prisão de segurança máxima de Norgerhaven, no norte da Holanda, que tem capacidade para 243 detentos, explica que a sentença dos reincidentes costuma ser de dois anos mais apoio em programas de reabilitação. O resultado desse serviço que o Estado oferece é que menos de 10% deles retornam à prisão – diferentemente das taxas de países como o Reino Unido e EUA, nos quais cerca de 50% dos detentos que cumprem penas menores voltam a ser presos nos primeiros dois anos após serem libertos.

No Brasil, os problemas com a população carcerária devem-se a uma má administração de nosso sistema prisional que favorece a violação de direitos humanos, chegando ao caso bárbaro da chacina ocorrida em São Paulo, no Carandiru, que, infelizmente, contou com o apoio de parte da sociedade que acredita que “bandido bom é bandido morto”.

Embora nós, brasileiros, estejamos esgotados de sermos vítimas dos casos cotidianos de violência, devemos nos perguntar por que o nosso modelo de gestão de segurança não está funcionando, já que a violência no país só aumenta. Olhando para o caso holandês, talvez possamos compreender melhor o que lá dá certo e aqui dá errado.

Penas alternativas + bem-estar na prisão: uma fórmula que deu certo

As prisões holandesas contam com bastante espaço: pátios do tamanho de quatro campos de futebol com carvalhos ao redor, mesas de piquenique e redes vôlei. Segundo Van der Spoel, o ar fresco ajuda a reduzir o estresse tanto dos detentos quanto dos guardas. Aqueles têm liberdade para percorrer as áreas comuns da prisão, como biblioteca, departamento médico e cantina.

Mas como a Holanda, país onde até 10 anos atrás tinha a maior população carcerária da Europa, conseguiu chegar à proporção de 57 pessoas presas por cada 100 mil habitantes, reduzindo em 43% o seu número de detentos?

As razões são várias e foram organizadas de forma conjunta: programas de reabilitação e aumento na segurança do principal aeroporto de Amsterdã para combater a explosão de “mulas” levando cocaína para o país, o que levou a polícia a rever seu foco de prioridades. A polícia passou a combater o tráfico humano e o terrorismo, e não mais as drogas. Tal mudança levou os juízes a adotarem sentenças com penas alternativas, como trabalhos comunitários, multas e monitoramento eletrônico.

Segundo a diretora do serviço penitenciário da Holanda, Angeline van Dijk, o encarceramento é aplicado a casos de criminosos de alta periculosidade ou de detentos em situação vulnerável, que podem se beneficiar dos programas disponíveis. Essas ações ajudaram a diminuir o número de detentos nas prisões do país.

Mas existem críticas

Embora os crimes tenham caído em 25% na Holanda desde 2008, há críticas sobre esse resultado, dentre elas a dificuldade em se registrar queixas, consequência do fechamento de delegacias devido aos cortes de gastos públicos.

O líder sindical Frans Carbo reclama que os agentes penitenciários sentem-se frustrados com o desestímulo à carreira, já que nunca se sabe quando uma prisão pode ser fechada. Já a ex-diretora de prisão e hoje porta-voz para assuntos de Justiça do partido de oposição Apelo Democrático Cristão, Madeleine Van Toorenburg, explica que existe uma certa impunidade ligada à escassez de prisioneiros, pois a polícia anda muito sobrecarregada de trabalho e a resposta do governo a esse problema é o fechamento de prisões.

Porém, os números vencem

Apesar das críticas, o modelo de combate ao crime e de gestão prisional holandês tem se mostrado eficaz, já que houve 43% de redução no número de detentos. Em 2005 eram 14.468 e, em 2015, passou para 8.245. A taxa de reincidência criminal é de 10% (no Brasil, 70%).

As prisões desativadas têm ganhado novos usos sociais: a maioria se converte em centros de triagem para refugiados e acaba sendo uma forma de manter o trabalho de guardas que perderam seus empregos. E uma unidade próxima a Amsterdã se transformou em um hotel de luxo.

Outra solução encontrada para as celas ociosas foi alugá-las aos países vizinhos, como Bélgica e Noruega, que enfrentam o problema da superlotação em seus presídios.

Valorizando a vida

Uma nova forma de lidar com o ser humano em situação de fragilidade é o ponto principal para pensar em um outro modelo de gestão de sistemas prisionais. Valorizar a vida deve ser o meio e a finalidade de qualquer ação de governos. E deve guiar as nossas também.

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Gisella Meneguelli

É doutora em Estudos de Linguagem, já foi professora de português e espanhol, adora ler e escrever, interessa-se pela temática ambiental e, por isso, escreve para o greenMe desde 2015.


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